O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará na próxima quarta-feira análise do processo que discute se a administração pública deve arcar, de forma subsidiária, com os encargos trabalhistas não pagos por empresas terceirizadas. O julgamento foi iniciado ontem mas, após um longo voto da relatora, contrário à União, a sessão foi suspensa.
O assunto é julgado em repercussão geral, portanto, servirá de orientação para as instâncias inferiores. Há 50 mil processos sobrestados no país aguardando o julgamento. O impacto econômico da ação para a União é de R$ 870 milhões, segundo a secretária-geral de contencioso da Advocacia-Geral da União (AGU), Isadora Maria Belem Rocha Cartaxo de Arruda afirmou na sessão.
Além dos sobrestados, apenas em relação à União, existem 58 mil processos em tramitação sobre o assunto, segundo Isadora. O tema também é importante para Estados e municípios, que apresentaram defesa na sessão como parte interessada.
A inadimplência dos entes públicos foi levantada pela advogada da Federação Nacional das Empresas de Serviços e Limpeza Ambiental, Miriam Souza Soares, outra parte interessada na ação. A advogada afirmou que há muitos casos em que as empresas não arcam com as obrigações trabalhistas por causa da falta de pagamento pelo serviço prestado.
A União recorreu ao Supremo após perder a ação no Tribunal Superior do Trabalho (TST). A Corte trabalhista considera que a administração pública deve responder subsidiariamente se for evidenciada sua conduta culposa no cumprimento da Lei de Licitações, especialmente quanto à fiscalização, conforme a súmula 331. No caso concreto, a 6ª Turma do TST ainda inverteu o ônus da prova, determinando que o ente público demonstrasse que fez a fiscalização adequada.
O tema não é novo no Supremo. A Corte já decidiu, no fim de 2010, em uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC) que o poder público não tem responsabilidade automática pelo inadimplemento de obrigações trabalhistas da empresa terceirizada que contratou.
Na ocasião, foi declarado constitucional dispositivo da Lei nº 8.666, de 1993 (Lei de Licitações) que afasta a transferência de responsabilidade à administração pública nos casos de inadimplência da terceirizada. Para a União, haveria conflito entre a decisão do TST e o precedente do STF.
O julgamento do Supremo em 2010 multiplicou o número de processos, ao invés de pacificar o assunto, segundo a relatora da ação, ministra Rosa Weber. Para a relatora, o TST deu o devido enquadramento à decisão do STF, já que a súmula 331 propõe alguns “controles civilizatórios” para a terceirização.
No voto, a ministra afirmou que mantém a decisão do STF de 2010, por entender que o dispositivo que trata do assunto na Lei de Licitações é constitucional. Porém, o texto não afasta a responsabilidade subsidiária nas hipóteses de culpa do ente público pelo descumprimento do dever de fiscalizar.
Segundo Rosa Weber, se o Estado cumprir seu papel de fiscalização, os danos aos trabalhadores serão, pelo menos, diminuídos. “Na constatação de irregularidade, há possibilidade de adequação ou ruptura contratual”, afirmou.
Para a relatora, é justo que o ônus decorrente de eventual má escolha da empresa terceirizada recaia sobre o ente público, o maior beneficiário da mão de obra. “A falta de contraprestação devida, independentemente de quem venha a arcar com o pagamento, transforma o terceirizado em escravo moderno”, afirmou.
No voto, que leu durante duas horas, a ministra também fez um histórico sobre a terceirização no Brasil. Rosa Weber citou projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional sobre o assunto e também o entendimento do TST sobre o tema na súmula 331.
De acordo com a relatora, embora a terceirização em todas as suas formas implique, muitas vezes, em precarização, ela tem sido usada como forma de reduzir custos e da prestação de serviços com maior eficiência e produtividade. “Eles (terceirizados) ficam sem voz. Estão tão incorporados à própria paisagem que esquecemos de ter um olhar sensível para eles”, afirmou.
Fonte: Valor Econômico