Em 2001, ainda estudante de Direito, ingressei no Brasilcon acadêmico, participei dos primeiros eventos e ali começou a ser desenhado o caminho que hoje me traria à presidência desse instituto.
Sou filho de uma terra iminentemente agrícola, campesina — forjada pelas enxadas dos meus avós e bisavós. E desde sempre, embora criado em região urbana, na capital; cresci com valores pautados na solidariedade, na hospitalidade do homem do campo, na percepção mais inequívoca da vida em comunidade e, principalmente, no respeito ao próximo. Acredito que daí nasceu o meu interesse e o meu fascínio pelo amparo aos vulneráveis — pois a garantia deles é um verdadeiro tratado de consideração e respeito ao ser humano.
Aos fragilizados, comparo-os com o grão da Oração do Milho de Cora Coralina, que displicente diz: “… mesmo planta de acaso, solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou…”. Há que ser justo o estudioso do Direito e honrar a relação jurídica que se perpetua constantemente a cada milésimo de segundo neste imenso país continental. Há, também, que auxiliar na construção de uma política — e mais além — de uma cultura nacional, na qual as relações de consumo se sagrem de maneira mais legítima e pautada nos princípios da verdade e da justiça.
O direito do consumidor, como qualquer outra área do Direito, não para. Cresce em possibilidades, recua, avança, novos produtos, novos serviços, novas (e até inimagináveis) formas de consumir… e é nessa constância que o Brasilcon encontra material, subsídios, possibilidades de também seguir crescendo, avançando, capacitando profissionais, estudiosos, acadêmicos, professores, pesquisadores — possibilitando que mais e mais pessoas se interessem e contribuam com esses avanços. E é nesse contexto que me comprometo na missão de certificar a evolução, pesquisa e garantia de inclusão do direito do consumidor na política e na sociedade brasileira.
Atualmente, observo um quadro de crise do país e de uma avalanche de efeitos sobre ciência jurídica consumerista. É um desafio assumir a presidência do Brasilcon, justamente em um momento como esse e principalmente por ter o privilégio, nesse biênio, de poder comemorar os 30 anos de Código de Defesa do Consumidor (CDC). “O futuro chegou”, nas mesmas palavras do discurso de abertura da ex-presidente Amanda Flávio de Oliveira no XIV Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor e a Sociedade da Informação, uma vez que hoje, temos facilidades que seriam impensáveis anos atrás — conectar-se com um sem-número de pessoas e informações mundo afora em segundos —, também encarar os primeiros sinais de alerta dessa exposição, traduzidos na necessidade de proteção dos dados, da intimidade e privacidade do consumidor.
Sem sombra de dúvidas, a sociedade da informação precisa ter uma forma adequada de regulação dessa revolução tecnológica pelas novas ordens sociais a partir da arquitetura da internet. O Direto abraça um grande desafio da contemporaneidade.
A popularização de dispositivos como os smartphones e os tablets; o desenvolvimento expressivo dos métodos de localização e determinação geográfica; o acesso crescente da população à internet; o desenvolvimento de aplicativos e o surgimento de inúmeras startups nacionais ou transnacionais vocacionadas para o mundo digital são identificados como alguns dos fenômenos responsáveis por gerar e alimentar um modelo de negócio que subverte noções jurídicas tradicionais, especialmente no que concerne aos sujeitos de direito envolvidos. Sobretudo, anota-se que a atividade econômica agora empreendida, além dos tradicionais modelos que envolvem uma relação entre uma empresa e um consumidor (B2C — business to consumer) ou entre empresas (B2B — business to business), também se manifesta sob uma outra modalidade, conhecida como C2C (entre consumidores — consumer to consumer).
Percebe-se que o grau de colaboração interpessoal e a racionalização dos recursos gerados pela economia de compartilhamento possibilitam o melhor cenário para o desenvolvimento de um modelo de consumo sustentável que, de fato, contribua na redução da desigualdade de renda e promova a mudança dos hábitos no mercado de consumo.
Nesse cenário, a diversidade de empreendimentos que utilizam de princípios comuns do compartilhamento, como a reputação como fonte de confiança entre desconhecidos e a busca pela racionalização dos bens e serviços ociosos.
Dentre as iniciativas propostas pela economia de compartilhamento no mercado de consumo, o setor de transporte se destaca como maior beneficiário dessa onda de inovação. Uma das principais áreas de atuação envolvem: a contratação de transporte individual de passageiros mediante plataformas que conectam motoristas e clientes próximos, como é o caso dos aplicativos “Uber”, “Cabify”, “Lyft”, “Car2Go” e “Hitch”; o compartilhamento de carros de passeio de maneira fácil e flexível, como “Zipcar”, “Getaround”, “ Sixt” e “Autoshare”; ou até mesmo um serviço que conecta motoristas e pessoas que necessitam de uma carona para o mesmo destino como o aplicativo “BlaBlaCar”.
Existe uma tendência mundial de desinteresse pelo automóvel por parte dos jovens, que já não se deixam fascinar tanto por meios de transporte individual movidos a gasolina como os jovens da época de 1950. O carro não é o único costume ligado à ideia tradicional de construção de patrimônio que os jovens estão abandonando. A opção de habitação também vêm mudando. O importante hoje é o “acesso” e não a posse.
Isso porque, dentro desse novo paradigma, podem ser percebidas importantes mudanças culturais, como por exemplo, no que concerne aos padrões de consumo, uso de automóveis privados diante de grandes cidades onde o transporte público apresenta baixa eficiência e o tráfego de carros privados é intenso, os serviços desenvolvidos pelos aplicativos representam importante solução às demandas sociais de maior mobilidade.
Dessa forma, compreender essa nova realidade que se impõe a partir dos padrões de Direito do Consumidor não constituirá tarefa simples. Trata-se, todavia, de uma realidade que só tende a se expandir. A web, assim como o comércio eletrônico e a economia do compartilhamento, sempre se reinventarão, independentemente das boas e das más iniciativas de regulação ou regulamentação. Resta, no entanto, a difícil, mas urgente tarefa de compreender adequadamente o fenômeno, compreender adequadamente seus impactos positivos e negativos no atual estágio da economia nacional e internacional e decidir que tipo de incentivo queremos propiciar com a norma.
Em verdade, agora é o momento de colocar a prova minha paixão pelo direito do consumidor, pois, para mim não há honra maior e momento mais oportuno de ocupar um lugar que contribui para a evolução acadêmica, política, social e democrática do país. Para mim não há prazer maior em vestir a camisa do Brasilcon.
Eis o desafio. Rumo aos 30!
Fonte: Conjur