Por Dr. Leonardo Luiz Pamplona
Tema pouco conhecido diz respeito à possibilidade da reformatio in pejus, expressão em latim que significa reforma para pior, nos processos administrativos, o que pode constituir surpresa ingrata para os administrados que utilizem a via da defesa ou do recurso administrativo.
Através do processo administrativo, as pessoas físicas ou jurídicas sujeitas ao poder de polícia do Estado, podem garantir a estrita observância dos princípios e leis que regem a Administração Pública, quando de um ato administrativo que os prejudique de qualquer maneira. Cabe especial atenção o direito formular novas alegações ou defesa quando houver decisão que agrave a sua situação enquanto recorrente.
Pra melhor compreensão do tema, importante a seguinte distinção. O processo administrativo pode ser classificado em: processo litigioso, caracterizado pela existência de conflito de interesses entre Administração e administrados; e processo não litigioso, ato de mero expediente realizado pela Administração Pública.
Sobrevindo decisão desfavorável em processo administrativo litigioso, o administrado tem direito de recorrer, hipótese em que a Administração Pública, ao analisar o recurso interposto, poderá aplicar sanção mais grave da que já foi aplicada, consoante prevê o artigo 64, da Lei n. 9.784/99:
Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.
O princípio da não reformatio in pejus se fundamenta em disposição do Código de Processo Penal (Art. 617 do Decreto-Lei n.º 3.689) e também nos princípios que orientam o direito processual civil, vendando a reforma de decisão, que resulte no agravamento da situação do recorrente, na hipótese de apenas este ter recorrido.
Não obstante, no que cinge a aplicabilidade de tal princípio no processo administrativo, surge um embate entre direitos individuais e princípios norteadores da Administração Pública, já sanado pelo Superior Tribunal de Justiça, quando da análise do Recurso em Mandado de Segurança n.º 21.981, que entende possível a reforma da decisão, mesmo que prejudique o próprio recorrente, em sede de processo administrativo.
A Ministra Relatora, Eliana Calmon valeu-se do seguinte argumento para justificar a possibilidade do Poder Público, em sede de processo sob sua égide, reformar sua decisão anterior, ainda que em detrimento do próprio recorrente (“reformatio in pejus”) : – “o poder de auto-tutela da administração permite que ela própria anule os seus atos quando reconhecer que houve ilegalidade, ou os revogue por razões de conveniência e oportunidade, a qualquer tempo, antes de consolidado o prazo prescricional.”
Em outras palavras, a Ministra reconheceu que a possibilidade em questão é consequência direta do princípio da autotutela da Administração Pública, devendo, no entanto, cientificar o Administrado para oferecer alegações antes de decisão que possa agravar sua situação (Lei n. 9.784/99, art. 64, parágrafo único).
Contudo, somente poderá ocorrer o agravamento da decisão se este resultar de critérios objetivos relacionados ao controle de legalidade do ato administrativo sancionador. Em nenhuma hipótese a condição do Recorrente poderá ser agravada com base em critérios subjetivos do Julgador.
Em suma, a vedação da possibilidade da “reformatio in pejus” constituiria ofensa aos princípios basilares do regime jurídico administrativo, tais como indisponibilidade do interesse público e supremacia deste sobre o interesse privado. Tais princípios resultam no dever da Administração Pública de aplicar sanção mais gravosa, desde que vise modificar decisão embasada ou eivada de ilegalidade.
Desta forma, na análise de recurso administrativo, deve a Administração Pública buscar a verdade material, ainda que eventualmente resulte em sanção mais grave ao Recorrente, haja vista que lhe cabe confirmar, anular, revogar ou modificar a decisão recorrida sem vincular-se a pretensão das partes.
Observe-se que a aplicação da penalidade mais gravosa restringe-se tão somente quando se trata de recurso administrativo, sendo esta consequência do prevalecimento da verdade material em detrimento do interesse individual, desde que oportunizado ao Administrado o direito constitucional ao contraditório e ampla defesa, nos termos do citado parágrafo único, do art. 64, da Lei n. 9.784/99.
Em resumo, possível a aplicação da “reformatio in pejus” no processo administrativo, desde que, sob pena de nulidade do ato, a Administração Pública possibilite à Parte Recorrente, cientificando previamente, formular novas alegações antes de eventual decisão mais grave, e, ainda, que este gravame não se fundamente em critérios subjetivos do julgador, mas, em critérios objetivos e legais.