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Publicidade comercial e autorregulação

Recentemente foi divulgada a notícia de mais um compromisso firmado entre algumas proeminentes empresas que atuam no ramo alimentício e que, dentre seus produtos, comercializam alimentos consumíveis por crianças, desde chocolates até sopas e pratos compostos.

O pledge (promessa), em sua especificidade, estabeleceu critérios para que as empresas signatárias realizassem sua publicidade comercial de acordo com critérios nutricionais específicos. Se determinado produto não preenchesse tais critérios, a solução poderia ser até a impossibilidade de respectiva publicidade comercial.

O pledge já há algum tempo vem sendo usado pela indústria de alimentos e bebidas quanto à sua comunicação comercial. É de 2007 o pledge que, na União Europeia, amarrou publicidade comercial ao valor nutritivo dos alimentos e bebidas não alcoólicas. O exclusivo motivo de adoção dessa estratégia foi a definição das melhores opções (Better-for-you options) no contexto da publicidade comercial desses produtos para pessoas menores de 12 anos.

A autorregulação publicitária brasileira é um case de sucesso e ela se deve aos esforços de ninguém menos senão dos próprios particulares

Tratou-se, como de hoje se trata, de pacto livremente acordado entre os maiores anunciantes do segmento para disciplinar suas próprias ações no tocante à comunicação de seus próprios produtos. Em julho de 2016, anunciou-se que fabricantes de refrigerantes e bebidas que não atendessem os estabelecidos critérios nutricionais não ofertariam mais esses itens a instituições que contivessem maioria de crianças. Em dezembro foi a vez de serem unificados critérios nutricionais nesse mister.

Assim, na esteira do pledge europeu, por exemplo, não haverá anúncios de chocolates, doces e refrigerantes em programas cuja audiência seja composta por mais de 35% de pessoas até 12 anos – pela legislação brasileira, crianças.

O assunto ilumina um aspecto muito caro à comunicação social: a preservação da higidez da liberdade de expressão comercial com o apoio de mecanismos de autodisciplina e autorregulação, a normatização pelo consenso independentemente do Estado.

A publicidade comercial, integralmente guarida sob a tutela da liberdade de expressão, de um lado, e da livre iniciativa, de outro, precisou se defender ao longo do tempo e encontrou precisamente na autorregulação o mecanismo apropriado para estabelecer limites, conter eventuais excessos e induzir maior rigor ético no conteúdo do discurso comercial. Os pactos de autorregulação no campo da publicidade não são novos. Já em 1957, no Rio de Janeiro, foi editado o Código de Ética dos Profissionais da Propaganda, estatuindo, como um de seus princípios, que “(…) o profissional da propaganda, (…) jamais induzirá o povo ao erro; jamais lançará mão da inverdade; jamais disseminará a desonestidade e o vício.”, sem dúvida mandamento ético de primeira hora. Em 1978, anunciantes, agências e veículos reuniram-se em torno de normas éticas que norteariam a publicidade comercial no Brasil. Essas normas seguem até hoje, congregadas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, confiado à guarda e tutela do Conar, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, que iniciou suas atividades em 1979.

Em 1998, como efeito daquele primeiro Código de Ética, foi criado o Conselho Executivo das Normas-Padrão, o CENP, que zela pelas melhores práticas no âmbito das relações comerciais publicitárias. Hoje é consenso que a publicidade comercial brasileira é uma das melhores do mundo, até mesmo por ser costumeiramente uma das mais premiadas nos colóquios internacionais. Para se tirar a prova, basta assistir o intervalo comercial das TVs brasileiras e de suas congêneres no mundo.

A autorregulação publicitária brasileira é um case de sucesso, e ela se deve aos esforços de ninguém menos senão dos próprios particulares, dos cidadãos que capitaneiam associações e empresas. Independentemente dos motivos, mas, sempre, por decisão voluntária, os esforços de pactuação de melhores práticas no âmbito da publicidade comercial resultam não apenas em disciplina adequada, mas, decerto, na melhor disciplina.

O papel do Conar como refreador da busca pela solução judicial é reconhecido, inclusive, pelo próprio Judiciário – sim, pois as representações julgadas pelo Conselho de Ética da entidade entregam às partes a solução de suas contendas, em método adjudicatório em todo semelhante ao da decisão judicial. E todos aderem às decisões do Conar, porque elas são fruto de um consenso a priori, o segredo do sucesso de qualquer pacto de autorregulação. Em toda a sua história, pouquíssimos foram os desafios judiciários às decisões do Conar, revelando altíssima adesão ao decidido pelo Conselho de Ética. O Conar nunca teve uma decisão infirmada pelo Judiciário.

No mundo de hoje os players não contam mais somente com a regulação estatal. Ser “first mover”, impondo a observância volitiva de boas práticas, já mostrou gerar ganhos altamente relevantes. Ganha a empresa, com o incremento de sua reputação, a melhoria de seu clima, a fidelização de seus colaboradores e clientes. Ganha o poder público, que economiza seus escassos recursos, deixando de regular ou de julgar. Ganha a sociedade, com o dinamismo e a eficácia própria das corporações e da sociedade civil organizada.

No campo da publicidade comercial, ganham as partes interessadas, que saem pacificadas com a adoção de medidas razoáveis, em vez de se submeterem ao jugo de normas ou decisões judiciais restritivas em uma lógica do tudo ou nada. Estamos falando, em última análise, de liberdade de expressão, que deve ser tratada com muito cuidado, com cautela, carinho e, sobretudo, razoabilidade e ação efetiva.

Fonte: Valor Econômico

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