Com o objetivo de proporcionar a segurança, a certeza e a estabilidade das relações jurídicas, e de evitar que estas permaneçam indefinidas por tempo indeterminado, o direito positivo impôs limites temporais ao exercício de direitos. Para tanto, criou as figuras da decadência e da prescrição, que têm como consequência justamente a extinção de direitos, em função da inércia de seus titulares em exercê-los durante determinado período de tempo prefixado em lei.
A definição de um prazo para que as relações jurídicas se estabilizem importam também porque, como observa Luciano Amaro, “papéis perdem-se ou destroem-se com o passar do tempo. O tempo apaga a memória dos fatos, e, inexoravelmente, elimina as testemunhas”.[1], o que dificulta a defesa dos envolvidos na relação jurídica.
A decadência e a prescrição tratam-se, portanto, de mecanismos legais que visam a efetivar o princípio da segurança jurídica. Este princípio busca garantir a certeza e a estabilidade nas relações sociais e um mínimo de previsibilidade para que os sujeitos de direito possam saber o que esperar do futuro.[2]
No âmbito do direito administrativo, é a Lei federal 9.873/99 que “estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta”. E em seu art. 1o define que os Órgãos da Administração Pública Federal têm o prazo de 5 (cinco) anos para impor penalidade administrativa aos atos que infringem a legislação em vigor praticados pelos particulares.
A lei federal também define o termo inicial de tal prazo quinquenal, qual seja: a data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, o dia em que tiver cessado. Isto quer dizer que a Autoridade Administrativa tem 5 (cinco) anos contados da data do ato infrator, ou do fim do ato infrator permanente ou continuado, para apurá-lo e impor a penalidade decorrente.
Aludido prazo, nos termos do art. 2o da mesma Lei federal n. 9.873/99, se interrompe: com a notificação ou citação do acusado; por qualquer ato que importe a apuração do fato; pela decisão condenatória recorrível ou por ato que procure a conciliação no âmbito interno da administração pública. Uma vez interrompido o prazo prescricional, este começa a correr novamente desde o seu início, sendo totalmente desconsiderado o período até então transcorrido.
Analisando os textos normativos supra, numa situação normal parece não haver muita dúvida sobre a contagem do prazo prescricional para que a Autoridade Administrativa lavre, por exemplo, um Auto de Infração e aplique uma penalidade de multa.
Todavia, imagine-se que tal auto de infração tenha sido lavrado dentro do prazo legal de 5 (cinco) anos previsto em lei, mas, em virtude de defesa administrativa ou de processo judicial promovido pelo autuado, referido auto de infração e consequente multa sejam declarados nulos. Neste caso surge a dúvida quanto a qual seria o prazo que a Autoridade Administrativa teria para emitir novo ato. Deve-se abrir novo prazo de 5 (cinco) anos contados da data da decisão que reconhece a nulidade do ato, ou o início do prazo quinquenal permanece sendo a data do ato infrator. E no caso de, quando da declaração de nulidade, já terem se passado os 5 (cinco) contados da data da infração?
Para se chegar a uma conclusão importa verificar inicialmente quais são os efeitos jurídicos de um ato administrativo eivado de nulidade.
Consoante Hely Lopes Meirelles, o ato nulo “é o que nasce afetado de vício insanável por ausência ou defeito substancial em seus elementos constitutivos ou no procedimento formativo.” Para o autor, uma vez reconhecida e proclamada tal nulidade pela própria Administração ou pelo Judiciário, tal ato se torna “ilegítimo ou ilegal e não produz qualquer efeito válido entre as partes pela evidente razão de que não se pode adquirir direitos contra a lei.” Por fim, destaca que, uma vez declarada a nulidade do ato, tal declaração “opera ex tunc, isto é, retroage às suas origens e alcança todos os efeitos passados, presentes e futuros em relação às partes, só se admitindo exceção para com os terceiros de boa-fé, sujeitos às suas consequências reflexas.”[3]
Maria Sylvia Zanella de Pietro e Celso Antonio Bandeira de Mello[4] também afirmam que a declaração de nulidade do ato restritivo do direito produz efeitos retroativos à data em que foi emitido.
Assim, se a declaração de nulidade retroage à data em que o ato nulo restritivo de direito foi emitido, atingindo inclusive os seus efeitos, tem-se que o ato declarado nulo deixa de existir no mundo jurídico, restando desprovido de qualquer validade e eficácia.
Uma vez desprovido de validade e a eficácia desde a data em que foi emitido, não há como afirmar que tal “ato”, tido como inexistente, poderia interromper, suspender, afastar ou ter qualquer influência sobre o curso do prazo prescricional.
Seguindo esse raciocínio o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que o ato ou processo administrativo nulo, por importar em sua exclusão do mundo jurídico e consequente perda de sua eficácia, não tem o condão de interromper a contagem de prazo prescricional da pretensão punitiva estatal.
Com efeito, nos casos em que o Poder Judiciário ou a própria Administração Pública declarar a nulidade de ato administrativo punitivo, é possível defender que tais atos não interromperam ou impediram o curso do prazo extintivo previsto no art.1o da Lei Federal 9.873/99.
Assim, se quando da declaração da nulidade já tiver decorrido 5 (cinco) anos da data da infração, deve-se reconhecer a prescrição do direito de a Autoridade Administrativa de impor a penalidade correspondente, o que quer dizer que o administrado não poderá mais sofrer qualquer punição administrativa em relação àquela infração.
Tal conclusão se coaduna com os fundamentos jurídicos da prescrição aqui expostos, na medida em que um processo que busca a declaração da nulidade de um ato administrativo pode durar anos e a reabertura do prazo quinquenal para que a Autoridade Administrativa pudesse fazer novamente o que já deveria ter feito dentro do período estabelecido em lei iria na contramão do objetivo maior do instituto da prescrição, que é proporcionar a estabilidade e a segurança jurídica, justamente evitando a indefinição prolongada das relações ou conflitos jurídicos.
Caroline Teixeira Mendes
Advogada e Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná.
caroline@cleversonteixeira.adv.br
[1] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, op. cit., p. 396.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 111-112.
[3] Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros: 33.ed. p. 174.
[4] Maria Sylvia Zanella Di Pietro; Direito Administrativo, Atlas: 15 ed. p. 226: como a desconformidade com a lei atinge o ato em suas origens, a anulação produz efeitos retroativos à data em que foi emitido (efeitos ex tunc, ou seja, a partir de então). Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Malheiros: 20. Ed, p.447.