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Justiça derruba cálculo de ITBI com base em pesquisa de mercado

Marília de Prince Rasi Faustino: imposto havia dobrado três meses após início das negociações por cliente, que entrou na Justiça contra valor cobrado

Compradores de imóveis têm conseguido, na Justiça, mudar o critério da Prefeitura de São Paulo para calcular o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). A busca pelo Judiciário vem se tornando frequente desde a crise no mercado imobiliário – que colocou em prática uma antiga fórmula de cálculo do imposto, mais benéfica para a arrecadação.

Enquanto outras cidades do país usam como base o valor venal do imóvel (o mesmo que serve ao IPTU) ou o da transação de compra e venda, na capital paulista existe um método próprio.

O município prevê duas formas ao cálculo do ITBI: uma porcentagem do valor da negociação – assim como em outras cidades – ou o chamado valor venal de referência. Esse índice, o VVR, é determinado pela prefeitura com base em pesquisa de mercado e sem data pré-definida para a atualização.

Vale o que estiver mais alto no momento em que o negócio for fechado. E como os preços dos imóveis estão reduzidos – em função, principalmente, da baixa demanda – o valor venal de referência tem se destacado.

Em um dos casos levados para o Judiciário, que trata da compra de imóvel no bairro Butantã, o valor da transação foi de R$ 1,2 milhão, enquanto que o VVR estava fixado em R$ 2,1 milhões. E essa diferença fez quase que dobrar o que deveria ser recolhido como imposto.

Tem de ser destinado ao ITBI 3% do total. Nesse caso, se levado em consideração o valor da compra, deveriam ser pagos R$ 36 mil como imposto. Mas como a base utilizada foi a do VVR, a quantia acabou ultrapassando os R$ 65 mil.

Situação semelhante envolveu a compra de imóvel na região dos Jardins. O valor da transação foi de R$ 2,6 milhões e o VVR estava fixado em R$ 4 milhões. O imposto que pelo cálculo tradicional seria de R$ 79,5 mil, passou para R$ 120 mil.

A advogada Marília de Prince Rasi Faustino, do escritório Zilveti Advogados, ingressou recentemente com quatro ações desse tipo na Justiça e obteve decisão favorável em todas elas. “O primeiro cliente que atendemos fez todas as cotações no começo da negociação. Três meses depois, quando ele foi fechar a compra, percebeu que o valor do imposto havia dobrado. Ninguém sabe ao certo como e nem quando essas atualizações são feitas pela prefeitura”, diz.

Os juízes vêm entendendo que não há base legal para o chamado VVR. “Afronta ao disposto nos artigos 150 da Constituição Federal e 97 do Código Tributário Nacional”, conforme as decisões. Para os magistrados, o ITBI deveria ser composto pelo valor da negociação ou pelo valor venal, que consta na planta de valores genéricos do município e serve de referência ao IPTU.

A discussão sobre o VVR gerou muito burburinho na época em que foi instituído – em 2005, por meio do Decreto Municipal nº 46.228. “É algo que só existe em São Paulo”, destaca a advogada Vanessa Campos de Almeida, do escritório Viseu Advogados. Ela afirma que ao comprador do imóvel não há sequer a chance de escolher uma ou outra opção de base de cálculo. A guia de recolhimento do imposto é acessada pelo site da prefeitura e o sistema é quem gera o valor a ser pago.

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) já se manifestou sobre o VVR ao julgar um Incidente de Inconstitucionalidade. Os desembargadores decidiram, na época, que o valor venal de referência deveria servir ao município “apenas como parâmetro de verificação da compatibilidade do preço declarado de venda, não podendo se prestar para prévia fixação da base de cálculo do ITBI”.

Apesar da decisão, a prefeitura nunca retirou o VVR do cálculo do imposto, cuja arrecadação foi de R$ 1,75 bilhão em 2016. “E esses valores são fixados sem que exista critério objetivo. Pelo decreto, por exemplo, a prefeitura deveria basear o valor do metro quadrado em relatórios enviados pelas imobiliárias. Mas não há publicidade disso”, aponta Marcus Vinicius Kikunaga, da Comissão de Estudos de Direito Imobiliário do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

Subsecretário da Receita Municipal, Pedro Ivo Gândra diz que a atualização do VVR é feita a partir de consultas de amostras do mercado (como o índice Fipezap, uma parceria entre a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e o site de imóveis Zap) e que ocorre conforme as oscilações do mercado. “Pode ser semestralmente, anualmente. Depende de como o mercado está se comportando.”

Segundo Gândra, mais de 70% das transações imobiliárias têm valores mais altos do que o VVR. Para os casos de distorções, diz, há uma divisão interna na secretaria para avaliações especiais, onde o contribuinte pode apresentar a sua demanda e ter o valor do imposto reduzido (se for o caso, após a análise).

“Todo o trabalho é feito de forma a evitar que se extrapole o valor de mercado. Mas, como em qualquer método estatístico, podem haver algumas distorções. Estamos falando de uma cidade como São Paulo, onde existem 3,3 milhões de imóveis”, pondera o subsecretário da Receita Municipal.

Pedro Ivo Gândra acrescenta que está sendo implementada pela prefeitura a “declaração de transações imobiliárias”. A partir de agosto, as imobiliárias de São Paulo terão que informar mensalmente sobre todas as transações, de venda e alugueis, feitas em São Paulo. Essa declaração foi instituída pelo decreto de 2005 – o mesmo que criou o VVR – e está sendo agora instituído por meio de portaria.

Segundo Gândra, as informações serão usadas para compor a base de amostras do VVR e também de subsídio às análises dos pedidos de contribuintes para a redução do imposto.

Por Joice Bacelo | De São Paulo

Fonte : Valor

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