As indústrias podem ser igualadas aos consumidores finais nas relações em que são consideradas partes vulneráveis. Este foi o entendimento da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao manter decisão do Tribunal de Justiça de Sergipe, que havia negado provimento a Recurso Especial da empresa energética do estado (Energipe).
A Associação Brasileira dos Consumidores de Água e Energia Elétrica (Assobraee) moveu ação contra reajuste tarifário aplicado pela concessionária. A Energipe, por sua vez, argumentou que a entidade não teria legitimidade para mover a ação em defesa das indústrias. A tese foi rechaçada pelo relator do recurso, ministro Benedito Gonçalves.
Dessa forma, a concessionária terá de reembolsar todos os os usuários industriais do estado no período de março a novembro de 1986, por causa do reajuste ilegal de 20% aplicado às tarifas naquele período, quando vigorava o congelamento de preços do Plano Cruzado.
O reajuste das tarifas em 1986, promovido pelas Portarias 38 e 45 do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), foi considerado ilegal pelo STJ, por violar a política de congelamento estabelecida pelo Plano Cruzado. A situação só foi regularizada quando a Portaria 153 instituiu novo reajuste, dessa vez de forma legal.
Em Sergipe, a associação ajuizou Ação Civil Pública para que a concessionária local fosse obrigada a restituir os valores cobrados indevidamente das indústrias. O juiz de primeira instância considerou a ação prescrita, mas o TJ-SE reformou a sentença e atendeu o pedido da associação.
Legitimidade
No recurso ao STJ, a Energipe sustentou que as empresas que usam energia elétrica como insumo não podem ser consideradas consumidoras. Como a autora da ação é uma associação de consumidores, ela não teria legitimidade ativa para a demanda.
O ministro Benedito Gonçalves observou que, pelo conceito finalista, apenas seriam consumidores aqueles que adquirem bens ou serviços como seus destinatários finais, para satisfação pessoal e não profissional. No entanto, segundo o ministro, o STJ tem abrandado esse conceito, para admitir a aplicação do Código de Defesa do Consumidor “nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a sua vulnerabilidade”.
“Isto quer dizer que os empresários, pessoas físicas ou jurídicas, embora adquiram produtos ou serviços para a sua atividade/uso profissional, poderão ser considerados consumidores caso seja comprovada, in concreto, a sua vulnerabilidade (técnica, informacional, jurídica ou socioeconômica) perante o fornecedor”, esclareceu o relator.
“Considerando que as pessoas jurídicas industriais, únicas afetadas pelas portarias impugnadas, podem ser enquadradas como consumidores e que, como bem assentou a instância de origem, é inequívoca a vulnerabilidade dos usuários industriais de energia elétrica do estado de Sergipe, não há que se falar em ilegitimidade da associação para representá-los em juízo”, disse ele.
Prescrição
Quanto ao prazo prescricional, outro ponto abordado pela Energipe em seu recurso, Benedito Gonçalves observou que a 1ª Seção do STJ já pacificou o entendimento de que a pretensão de reaver crédito decorrente ao aumento ilegal de tarifas promovido pelas Portarias 38 e 45 prescreve em 20 anos, conforme disposto no artigo 177 do Código Civil de 1916, já que se trata de pagamento a maior de obrigação não tributária. Esse entendimento foi adotado no Recurso Especial 1.110.321, julgado como recurso repetitivo.
“Dada a natureza do objeto da demanda, o fato de a pretensão ter sido veiculada por via de ação civil pública não tem o condão de alterar tal entendimento, sendo que o disposto no Decreto 20.910/32 e no artigo 1º-C da Lei 9.494/97 é limitado às ações pessoais movidas em face de entes e pessoas jurídicas da administração pública”, concluiu o ministro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.