Com prazo de até 14 anos para concessão de uma patente no Brasil e um estoque de 231 mil pedidos, o governo federal quer simplificar o processo de análise do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Pela proposta, o mérito da patente deixará de ser analisado. Só serão observados os aspectos formais do pedido: se está redigido corretamente, se os prazos foram cumpridos e se as taxas foram pagas, por exemplo. O objetivo é reduzir o tempo de espera para algo entre três e quatro anos, compatível com padrões internacionais. A medida, que ficou em consulta pública por 30 dias até o fim de agosto, enfrenta forte oposição de servidores do INPI, de membros da comunidade acadêmica e até de empresas, que temem contestações na Justiça, desestímulo à concorrência e questionamentos na Organização Mundial do Comércio (OMC).
A proposta prevê concessão praticamente automática de todos os pedidos de patentes depositados até o fim de 2016, exceto aqueles relacionados a produtos e processos farmacêuticos e caso o autor solicite expressamente a análise convencional. O INPI argumenta que, apesar da melhora recente de sua produtividade — em 2015 eram 35 decisões por examinador, e a previsão para este ano é chegar a 55 —, em 2029, mantido esse ritmo, haverá uma fila de 349.080 pedidos. O instituto explica que, com novas contratações, o estoque de pedidos seria zerado em oito anos, mas, além de um custo da ordem de R$ 1 bilhão nesse período, a partir do nono ano mais de 500 servidores ficariam ociosos, onerando a máquina pública. Hoje, o INPI tem em seus quadros 357 examinadores.
ESPECIALISTA VÊ RISCOS JUDICIAIS
Com o orçamento apertado e a pressão para reduzir o tempo de espera por patentes, o INPI propôs o regime simplificado como uma medida “pontual e excepcional”. O tema, agora, está em discussão no Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, ao qual o instituto é subordinado, e nas pastas da Fazenda, Planejamento e Casa Civil. Na avaliação de observadores, a medida seria mais uma tentativa do governo Michel Temer de buscar uma agenda positiva em meio à crise política. O presidente do INPI, Luiz Otávio Pimentel, assegura que não há objetivos políticos e diz que a proposta está sendo discutida há cerca de um ano.
Uma vez reduzido o estoque de pedidos, a análise das patentes retomaria o processo atual, que leva em conta três princípios: a novidade, a atividade inventiva e a aplicabilidade industrial. Para Antônio Márcio Buainain, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento da Unicamp, o regime simplificado vai transferir o problema da esfera do INPI para a da Justiça, uma vez que patentes para o mesmo produto poderão ser concedidas sem considerar a ordem de chegada do pedido ou se o item já é protegido e comercializado.
— A concessão de patentes sem análise de mérito é um procedimento tão absurdo quanto seria a concessão de títulos de propriedade de terra sem saber se a área existe de fato, se já está ocupada e se já é ou não propriedade de outros. No faroeste, as superposições eram resolvidas à bala. Hoje, são discutidas na Justiça. Cara, morosa e, por isso mesmo, injusta. Uma farra para os escritórios especializados em direitos de propriedade intelectual — diz Buainain.
A patente é um título de propriedade concedido a uma pessoa ou empresa, que garante ao inventor o monopólio para desenvolver e comercializar um produto ou técnica por um determinado período — no Brasil, 20 anos. É uma ferramenta que visa a estimular o investimento em pesquisa e o desenvolvimento tecnológico. A lógica é a seguinte: para não ficar de fora do mercado em que a patente é concedida, o concorrente terá de criar um novo produto ou aprimorar um processo.
A fabricante de ônibus Marcopolo investe pesadamente em inovação, o que a coloca entre os 50 maiores depositantes de patentes no INPI, considerando o ranking por residentes. Mas é contra a proposta. Em nota, a Marcopolo disse que “essa simplificação poderia gerar mais problemas, tendo em vista que, no Brasil, ainda temos muitos concorrentes que se baseiam mais em copiar do que em desenvolver e criar”.
O presidente do INPI reconhece que o rito sumário pode causar problemas, mas ressalta que não seria uma solução definitiva. O instituto, que até 2013 só recebia solicitações em papel, está digitalizando documentos. Pimentel estima que estes estarão disponíveis ao público daqui a dez ou 12 meses. Os concorrentes terão um prazo para fazer objeções. Se ninguém se manifestar, a patente será concedida.
— O INPI precisa de um pouquinho mais de servidores, mais automação e uma revisão na gestão. Mas o que eu faço com o estoque de pedidos? Não temos outra alternativa senão tomar uma medida desse tipo e começar um novo INPI daqui para frente — afirma Pimentel. — Acredito que a proposta reduza em 50% a 70% o estoque de pedidos em até dois anos.
Fonte: O Globo