A cessão de crédito de precatório, permitida expressamente pelo § 13 do art. 100 da Constituição Federal, é uma operação adotada com bastante frequência diante das grandes vantagens que proporciona a ambas as partes na negociação. De um lado o cedente antecipa o recebimento do valor do precatório que poderia levar anos para ser efetivado pelo Estado. E de outro, o cessionário, que normalmente adquire o direito creditório com grande percentual de deságio, tem a possibilidade de utilizar o total do valor de face do precatório (descontados os tributos devidos e retidos na fonte) para quitar débitos tributários por meio da compensação, ou mesmo para investimento, dentre outras finalidades.
O Imposto de Renda eventualmente incidente sobre o valor do precatório é retido na fonte, o que permanece inalterado, mesmo diante da cessão. Isto é, no momento em que o Estado vier a efetuar o pagamento do precatório, ainda que em favor do cessionário, descontará o valor do Imposto de Renda quando devido originariamente pelo cedente.
Muito embora já haja a retenção na fonte do Imposto de Renda incidente sobre o valor do precatório e a cessão do valor do crédito seja efetuada com deságio, a Fazenda tem entendido que deve haver outra tributação nas operações de cessão de tais créditos a terceiros, sob a justificativa de que haveria ganho de capital, sujeita a 15% de Imposto de Renda, nos termos dos §§ 2º e 3º do art.3º da Lei 7.713/88.
Tal posicionamento da Fazenda restou consolidado por meio da Solução de Consulta Cosit n. 153, de 11 de junho de 2014, no qual a Receita Federal defende que a diferença positiva entre o valor de alienação e o custo de aquisição do título configurará ganho de capital e estará sujeita ao imposto de renda. Justifica ainda que: “O custo de aquisição na cessão original, ou seja, naquela em que ocorre a primeira cessão de direitos, é igual a zero, porquanto não existe valor pago pelo direito ao crédito. Nas subsequentes, o custo de aquisição será o valor pago pela aquisição do direito na cessão anterior.”
Por outro lado, existem algumas decisões do próprio CARF afirmando que o custo de aquisição de créditos oriundos de decisão judicial não deve ser considerado zero como afirma a RF, mas aquele valor atribuído pela sentença judicial. No Processo de n. 10166.002477/2001-80, por exemplo, o Relator afirma que “Inadmissível, para efeitos de apuração de ganho de capital, atribuir-se como custo zero, o valor de aquisição de créditos decorrentes da alienação de bens decorrente de precatórios judiciais.” (No mesmo sentido os Processos de n. 10166.013568/00-25 e de n.10166.002915/2001-18).
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça vem julgando reiteradamente no sentido de que apesar de a cessão de crédito poder dar ensejo à tributação por ganho de capital, nos casos de alienação de crédito de precatório com deságio, não há acréscimo patrimonial; pelo contrário, o patrimônio do contribuinte acaba por ser reduzido, não havendo que se falar, portanto, em incidência de imposto de renda em tais operações (AgInt no REsp 1716443/RJ e REsp 1704367/RJ).
No âmbito da doutrina, recentemente Ives Gandra da Silva Martins publicou Parecer afirmando que “Considerar que os precatórios que foram objeto das cessões realizadas tiveram custo zero, quando existe um valor fixado judicialmente (…) e quando a cessão se deu com prejuízo, é, além de violar a materialidade do imposto de renda, tornar a exigência fiscal incompatível com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade consagrados no art. 5o, LIV e LV, e do não confisco, assegurado no art. 150, IV, da CF.”
Destaca ainda o Professor que “a possibilidade de os precatórios serem negociados surgiu por ser o Estado mau pagador. Tivesse o Consulente recebido, regularmente, os valores da condenação no processo de desapropriação, não teria sido obrigado a efetuar alienações para suprir necessidades financeiras imediatas, o que o obrigou a abrir mão do pleno ressarcimento pela perda do bem e receber, com prejuízo, os valores a que tinha direito.“ (https://gandramartins.adv.br/wp-content/uploads/2020/09/revista-frum-de-direito-tributrio.pdf)
Assim, para aqueles que pretendem ceder seus créditos de precatório com deságio, é importante ficar atento tanto ao posicionamento da Fazenda, como às manifestações dos Tribunais pátrios a respeito do tema, na busca de evitar autuações, sem, ao mesmo tempo, abrir mão de seus direitos.
Caroline Teixeira Mendes
Advogada sócia do escritório Cleverson Marinho Teixeira Advogados Associados.
Mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Paraná.