Cooperação privada no combate à lavagem de dinheiro – ampliação do rol de pessoas sujeitas aos mecanismos de controle da nova lei
Muito se tem discutido, desde que entrou em vigor a Lei nº 12.683, em 10/07/2012, sobre as alterações havidas no texto da lei que trata dos crimes de ocultação de bens, direitos e valores e que dispõe acerca dos mecanismos de prevenção à prática de tais ilícitos.
Sob o mote de tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro – que, grosso modo, é a reinserção destes bens, direitos e valores inicialmente obtidos de forma ilícita no sistema econômico, com a finalidade de lhes atribuir caráter de licitude – substanciais alterações foram concebidas pelo legislador no texto da Lei nº 9.613, de 1998, coloquialmente conhecida como de “Lei de Lavagem de Dinheiro”.
Diversos setores da economia nacional deverão sentir os impactos das novas regras (sobretudo aquelas de natureza administrativa voltadas à política preventiva) em suas atividades, pois o envolvimento de toda a sociedade no combate a estes crimes foi motivo de preocupação do Congresso Nacional ao debater o texto sancionado pela Presidente da República.
As novidades, portanto, não se restringem apenas a questões de Direito Penal e de Direito Processual Penal, as quais, segundo quase toda a doutrina, são suficientes para o estabelecimento de um marco sem precedente no Direito Penal brasileiro. O Supremo Tribunal Federal já sinalizou, pelo julgamento da Ação Penal n٥ 470 (ação penal do “mensalão”), que a tendência é endurecer a repressão e a punição dos delitos de reciclagem de capitais a partir deste novo cenário, muito embora a nova lei ainda não se aplique a este processo.
Os setores considerados sensíveis à lavagem de dinheiro foram contemplados com novos dispositivos de natureza eminentemente administrativa, com o objetivo de aprimoramento da cooperação privada para o combate à lavagem de capitais como estratégia de política criminal. Foi o que permeou a concepção destas normas, que visam, essencialmente, isolar o lavador com seu dinheiro sujo.
Além da necessidade de identificação de clientes, manutenção de registros e comunicação de operações financeiras suspeitas, ampliou-se o rol de pessoas físicas e jurídicas sujeitas aos mecanismos de controle, com novas obrigações e sanções administrativas pesadas, no caso de não cumprimento.
O artigo 9º traz o rol destas pessoas e entidades que devem observar as novas regras de vigilância e comunicação previstas nos artigos seguintes (10º e 11º). Desse modo, sujeitam-se às obrigações referidas no novo texto legal as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira.
Também estão sujeitas à nova disciplina as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços; as pessoas físicas ou jurídicas que compram e vendem moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro; as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou de capitalização; as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring); as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis; as juntas comerciais; os registros públicos, dentre outras diversas.
No caso da promoção imobiliária e compra e venda de imóveis, a novidade diz com a inserção do corretor de imóveis autônomo (pessoa física) como uma das pessoas sujeitas aos mecanismos de controle da lei, estando, em tese, obrigado a comunicar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF e a manter cadastro de seus clientes e registro de todas as suas operações imobiliárias.
Mas o que tem causado inquietações em alguns setores da economia é a possibilidade de responsabilização administrativa das pessoas que descumprirem as obrigações relacionadas nos artigos 10º e 11º do novo texto legal como, por exemplo, a manutenção do seu cadastro atualizado no órgão fiscalizador ou, na falta deste, no COAF.
A carência na identificação da sua clientela e na manutenção de registros e a deficiência no ato de comunicar operações financeiras ao órgão regulador ou fiscalizador da sua atividade são passíveis de advertência, multa pecuniária variável, podendo alcançar até R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) e inabilitação temporária para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas referidas no artigo 9º, além da cassação da autorização para operação ou funcionamento. Tudo, evidentemente, mediante prévia instauração de procedimento próprio, assegurados o amplo direito de defesa e o Contraditório.
Na prática, de acordo com as novas regras, instituições sob a supervisão da Comissão de Valores Mobiliários – CVM (bolsa de valores, bolsa de mercadorias, etc.) deverão comunicar à própria CVM qualquer operação suspeita ou sem fundamento econômico. Entidades abertas de previdência complementar, corretores de capitalização, corretores de previdência complementar privada e de seguros, dentre outros, deverão comunicar a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP as transações suspeitas relativas ao ramo de capitalização, seguros e previdência complementar. As administradoras de consórcios, compra e venda de moeda estrangeira ou ouro, empresas de arrendamento mercantil, instituições financeiras, cooperativas de crédito e assemelhadas terão suas atividades reguladas e fiscalizadas pelo BACEN, instituição à qual se subordinam. Já as entidades fechadas de previdência comlementar terão suas atividades supervisionadas pela PREVIC, vinculada ao Ministério da Previdência Social.
O COAF é a unidade de inteligência financeira nacional. Exibe natureza administrativa e foi concebido pela Lei de Lavagem de Dinheiro já no texto primitivo. Tem a finalidade de disciplinar, aplicar as penas administrativas mencionadas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas. Sob a sua supervisão estão as empresas de fomento comercial em qualquer de suas modalidades; cartões de crédito, comércio de jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidade; as pessoas físicas e jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares; as pessoas físicas e jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização, além de outras.
Pessoas para as quais não exista órgão próprio fiscalizador ou regulador também são supervisionadas pelo COAF, cujos procedimentos a serem observados para fins de prevenção à lavagem de dinheiro já podem ser consultados na Resolução Coaf nº 20/2012.
Entidades e pessoas (físicas ou jurídicas) que não estão submetidas à nova disciplina normativa, ou seja, que não foram alcançadas por esta nova diretriz, também podem tomar posições ativas no combate à lavagem de dinheiro. Para tanto, aí estão órgãos públicos que se prestam a investigar, apurar e descobrir fatos e autores destes ilícitos. Órgãos que podem ser acionados toda vez que operações financeiras suspeitas forem vislumbradas. Citam-se, por exemplo, o próprio COAF, o Ministério Público, a Controladoria Geral da União e os Tribunais de Contas.
Cumpre ponderar, por derradeiro, que boa parte deste aparato normativo já existia no texto inicial. O que houve foi o aprimoramento das normas denominadas normas de vigilância e de comunicação previstas na lei, seguindo tendência dos diplomas normativos internacionais sobre o assunto.
Gabriel Medeiros Régnier Advogado – OAB/PR 41.934