Em decisão considerada inédita, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) alterou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado por um supermercado com o Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre revistas íntimas. Como houve mudança de jurisprudência sobre o tema, os ministros decidiram adaptar a cláusula ao entendimento atual. A decisão, segundo advogados, servirá de parâmetro para outros acordos já firmados.
O TAC foi assinado em 2004 com o Ministério Público do Trabalho (MPT) do Pará (8ª Região). A empresa se comprometeu a deixar de realizar revistas íntimas em funcionários e examinar bolsas, mochilas ou objetos pessoais. A jurisprudência do TST, no entanto, foi alterada ao longo dos últimos anos no sentido de não mais condenar empresas que adotavam a prática de revistar pertences.
Em 2010, o supermercado entrou na Justiça para que o acordo fosse revisto. O pedido baseou-se no artigo 471, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC), de 1973 – atual artigo 505, inciso I, do novo CPC. Segundo o dispositivo “nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”.
Após perder em primeira e segunda instâncias, a 7ª Turma do TST aceitou a argumentação. Segundo o relator, ministro Douglas Alencar Rodrigues, “a Corte Superior já fixou o entendimento de que o procedimento de revista aos pertences dos empregados, sem contato físico, de forma impessoal e genérica, sem caráter discriminatório e sem exposição da intimidade do trabalhador, não configura ato ilícito”.
Pelo acórdão, se o teor da cláusula é contrária a esse entendimento, “precisamente no capítulo que veda a revista em bolsas, mochilas e sacolas de empregados, não se pode preservar sua eficácia, sob pena de ofensa do artigo 471, inciso I, do CPC (artigo 505, I, do CPC /2015)”.
No julgamento, os ministros ainda definiram a nova redação do acordo firmado com o Ministério Público do Trabalho (MPT). O texto passou a ser o de que a companhia se compromete a “abster-se de realizar revistas íntimas, assim entendidas aquelas que importem qualquer tipo de contato físico e/ou exposição de parte do corpo, permitidas as revistas aos objetos pessoais, entre os quais bolsas, mochilas ou sacolas, de forma impessoal e discreta, sem caráter discriminatório ou exposição da intimidade do trabalhador”.
Segundo o advogado do supermercado, Eduardo Brito, sócio do Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados, a decisão cria jurisprudência sobre revisão de TAC após mudança de entendimento em tribunal superior. “Essa decisão pode balizar outras discussões não só na esfera trabalhista, como em direito ambiental, cível e comercial, já que é baseada no CPC. É uma discussão absolutamente cabível porque o que existe é a modificação de um fato posterior ao acordo firmado.”
Diante da jurisprudência favorável à revista de pertences, o supermercado, segundo o advogado, tentou revisar o acordo no Ministério Público. Porém, diante da negativa, decidiu entrar na Justiça. “De lá para cá, foram seis anos na Justiça para reconhecer que é possível”, diz. Para o advogado, a companhia não poderia retomar as revistas dos funcionários, pois poderia correr o risco de arcar com valores altos de multas aplicadas pelo MPT.
“O problema é que os TACs firmados, em geral, não têm a previsão de que, em caso de mudança de jurisprudência ou legislação, o teor do acordo possa ser alterado”, afirma Brito.
Especialista em direito do trabalho, o advogado Maurício Correa da Veiga, sócio do Correa da Veiga Advogados, diz que “a decisão sem dúvida deve servir de parâmetro para outras”. De acordo com ele, o escritório tem entrado com ações semelhantes que tratam de revisão de TACs com base no CPC, mas por enquanto só tem decisão de primeira e segunda instâncias. ” O TAC não pode ser uma regra imutável, não pode ser uma condenação perpétua para a empresa porque as situações mudam.”
Um dos casos em que atua é o de uma companhia da área de energia elétrica que pede a revisão do seu TAC com relação à cota de deficientes. “A porcentagem de 5% de deficientes não pode incidir sobre o total de empregados. Empregados (terceirizados) que trabalham nos postes de alta tensão devem ser excluídos do cálculo”, diz. Segundo Veiga, ele já obteve decisão de primeira instância.
A coordenadora nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade) do Ministério Público do Trabalho (MPT), Sofia Vilela de Moraes e Silva, afirma que o órgão tem como meta prioritária “proteger a intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas nas relações do trabalho e, por isso, compreende que as revistas realizadas com contato físico e/ou exposição visual de partes dos corpo ou objetos pessoais dos empregados devem ser combatidas”.
De acordo com Sofia, o tema ainda não está pacificado no TST e há condenações às revistas realizadas em pertences. “Se uma empresa se comprometeu a regularizar a sua conduta por meio de um Termo de Ajuste de Conduta, no intuito de evitar a repetição da irregularidade trabalhista, cabe a ela respeitar as obrigações firmadas e buscar outros meios existentes para proteger o seu patrimônio e não violar a intimidade de seus empregados”, afirma.
Fonte: Valor Econômico