O art. 74 da Lei 9.430/96 permite que os contribuintes se utilizem de créditos de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, inclusive os obtidos por meio de decisão judicial transitada em julgado, para compensar com débitos próprios também relativos a tributos administrados pela SRF.
Tal compensação pode ser efetuada mediante a entrega de declaração, a qual terá o condão de extinguir o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação. Isto quer dizer que o contribuinte realiza a compensação de seus créditos e débitos por sua conta e risco, declarando-a à Fazenda Pública. Esta, por sua vez, tem o prazo de 5 (cinco) anos para discordar da atividade praticada pelo contribuinte, sob pena de ocorrer a chamada homologação tácita.
Se a Fazenda entender indevida a compensação executada e declarada pelo contribuinte, deve cientificá-lo do indeferimento, concedendo-lhe prazo de 30 (trinta) dias para que efetue o pagamento do débito tido como indevidamente compensado.
Além disso, o § 17 do já mencionado art. 74 da Lei n. 9.430/96 determina que deve ser aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada.
Tal penalidade foi acrescentada inicialmente em nosso ordenamento jurídico pela lei n. 12.249/2010. Até então, em casos de não homologação, o contribuinte apenas recebia despacho decisório indeferindo a compensação com a cobrança adicional de juros e multa moratória limitada a 20%.
O acréscimo da aludida multa isolada se deu sob a justificativa de que alguns contribuintes se utilizam de créditos inexistentes como forma de obter certidão negativa ou para não pagar o crédito tributário, contando com a homologação da compensação pelo decurso do prazo de 5 (cinco) anos.
Todavia, os nossos tribunais têm considerado inconstitucional a aplicação da aludida multa. A Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade n. 5007416.62.2012.404.0000, entendeu que a multa, ainda que não impeça totalmente a realização do pedido de compensação, cria obstáculos ao direito de petição do contribuinte, eis que o receio de receber pena pecuniária pode desestimulá-lo a efetivar o pedido de compensação a que teria direito. Além disso, considerou o TRF4 que a penalidade se revela desarrazoada e desproporcional.
O Supremo Tribunal Federal, por sua, vez, reconheceu a Repercussão Geral do tema no Recurso Extraordinário n. 796.939/RS (Tema 736), que está sob a Relatoria do Ministro Edson Fachin. O Ministério Público já se manifestou no processo pela inconstitucionalidade da multa, especialmente porque não se pode aplicar uma sanção em razão da prática um ato lícito. Esclarece o MP em seu parecer que o pedido de compensação se reveste de licitude, na medida em que está expressamente previsto em lei. Em não havendo, portanto, qualquer ilicitude no ato do contribuinte, a este não pode ser imposta penalidade. Destaca ainda a PGR que a aplicação automática da multa não faz qualquer distinção entre o contribuinte de boa-fé e o de má-fé, ferindo as garantias constitucionais de petição de proporcionalidade.
A questão também está sendo discutida na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n. 4905, proposta pela Confederação Nacional da Industria (CNI). O julgamento de ambas as demandas está previsto para o dia 01/06/2022, e se o STF decidir pela inconstitucionalidade da multa em questão, a decisão deverá ser acolhida em todos os tribunais nacionais.
O que se espera, portanto, é que a nossa Suprema Corte declare definitivamente a inconstitucionalidade da multa isolada de 50% (cinquenta por cento) do valor do débito, prevista no § 17 do art. 74 da Lei n. 9.430/96, eis que o contribuinte não pode ser penalizado ou se sentir inibido de exercer o seu direito garantido em lei de realizar a compensação para reaver seus créditos perante a Receita. A referida multa, aplicada indistintamente e automaticamente a todos os contribuintes que têm a compensação não homologada, independentemente de ter ou não havido má-fé, de fato se revela demasiadamente exagerada para punir aquele que não fez nada além de exercer o seu direito de petição perante a Administração Pública.
Aqueles que efetuaram o pagamento desta multa nos últimos 5 (cinco) anos podem ajuizar ação judicial para pedir a sua devolução, sustentando a inconstitucionalidade da cobrança aqui destacada e aguardar o resultado do que será decidido pelo STF, resguardando-se assim da chamada modulação de efeitos, que frequentemente tem sido aplicada nas decisões do STF para que surtam efeitos somente para o futuro e para aqueles que já estão pleiteando seus direitos em juízo.
Caroline Teixeira Mendes
Sócia do Cleverson Marinho Teixeira Advogados
Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná.
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@caroline_teixeira_mendes