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As tutelas de urgência como meio de garantia de direitos e a estabilização dos seus efeitos. Diretrizes do projeto do novo código de processo civil.

Muito se fala acerca do papel do Processo Civil como meio de instrumentalização de direitos.

Com vistas a conferir maior efetividade à tutela dos direitos, amenizando os problemas decorrentes da demora na prestação jurisdicional, foram disciplinadas, no Código de Processo Civil de 1973, as medidas cautelares, que detinham por finalidade assegurar a efetividade do processo.

A efetiva extensão dos efeitos das cautelares – se estes procedimentos se limitavam a conferir efetividade do processo ou se também poderiam assegurar o direito material pleiteado – foi alvo de discussões na doutrina, levando a questão à jurisprudência, fato que culminou a reforma de 1994, na qual restara explicitada a possibilidade de garantia do bem da vida perseguido na demanda em sede de antecipação de tutela.

Prosseguindo na evolução do instituto das medidas de urgência, iniciaram-se discussões acerca da fungibilidade entre as técnicas previstas no procedimento cautelar – previsto em livro próprio – e na antecipação de tutela, em razão do fato de que cada uma dessas espécies de tutelas de urgência possui requisitos específicos para a sua concessão, vez que existem situações em que é possível verificar traços tanto de necessidade de obtenção de tutela cautelar como de tutela antecipada.

A fungibilidade entre as duas espécies (cautelar e tutela antecipada) do mesmo gênero (tutelas de urgência) restou positivada por meio da Lei n.o 10.444/02, pela qual restou introduzido o parágrafo 7.o ao art. 273 do Código de Processo Civil.

Esse breve histórico acerca da trajetória das tutelas de urgência no Brasil comprova que, não obstante a estrutura jurídica oficialmente adotada no Brasil seja a civil Law, a lei é quem se amolda às necessidades da sociedade, primeiramente por questões debatidas em sede doutrinária, as quais são levadas à apreciação da jurisprudência, a qual dita a necessidade de atualização da legislação.

É em meio a este contexto que se apresentou o Projeto do Novo Código de Processo Civil, o qual tem por objetivo atender os anseios da sociedade, proporcionando aos jurisdicionados um processo mais célere e justo.

Dentre as inovações do Projeto, está a disciplina das tutelas de urgência, as quais serão tratadas sob um único procedimento, e com a possibilidade de estabilização dos seus efeitos, a exemplo do que ocorre na Itália e na França.

As medidas de urgência existentes hoje no Brasil (medida cautelar e antecipação de tutela), que são concedidas com base na cognição sumária, estão sempre umbilicalmente ligadas a um processo de cognição exauriente, e dependem deste para continuarem em vigor ou para que surtam seus efeitos.[1]

Verifica-se tal realidade na medida em que para que a liminar concedida em sede cautelar continue em vigor, deverá ser ajuizada a medida principal em 30 dias, sob pena de perda de eficácia da medida.

Igualmente, a antecipação dos efeitos da tutela somente é possível quando há um bem da vida perseguido em demanda de cognição exauriente, não havendo como se cogitar o pedido de uma tutela de urgência sem que haja uma discussão processual ampla acerca dos fatos e do direito que envolvem a tutela perseguida.

Pelo Projeto do Novo Código de Processo Civil, especialmente em seus artigos 280, § 1.o; 281, § 2.o; 282, § 3.o e 283, § 2.o[2], há a possibilidade de estabilização dos efeitos das medidas de urgência, caso não contestado o pedido no prazo de 5 dias, ficando a parte Requerente “dispensada” de seu dever de propor o pedido principal, tornando-se desnecessária a propositura de demanda de cognição exauriente para o fim de ver chancelado o direito à tutela de urgência.

Neste caso – de estabilização dos efeitos diante da ausência de impugnação pela parte Requerida – a decisão que conceder a medida de urgência poderá ser revertida somente por meio de pronunciamento judicial exarado em processo próprio, ajuizado com o fim de cessar os efeitos da tutela estabilizada.

Importante esclarecer que a decisão estabilizada no Projeto do Código de Processo Civil, não faz coisa julgada.[3]

Não obstante não fazer Coisa Julgada, essa forma de estabilização altera substancialmente o conceito tradicional acerca das tutelas de urgência, que antes detinham pleno caráter acessório, e com a alteração, adquirem autonomia.

E o estudo dessa nova concepção de tutela jurisdicional, obtida por meio de cognição não exauriente, com efeitos estabilizados no mundo jurídico, mesmo que sem farta dilação probatória, é muito antiga em outros países, especialmente na França, por meio do instituto dos Référés franceses, já mencionados acima, que se referem a medidas extremamente simples e céleres.

Importante dado é que a prática na França demonstra que grande parte das decisões proferidas por meio do référénão geram o ajuizamento de demanda com vistas a desconstituí-las[4], o que confere ainda mais efetividade ao sistema judicial, com a redução do número de demandas.

            Assim, sem adentrar nas celeumas que certamente virão à doutrina e à jurisprudência acerca da aplicação desse novo instituto, o que se verifica dessa possibilidade de que sejam estabilizados os efeitos das tutelas concedidas por meio de cognição não exauriente, é que esta corresponde a uma tentativa de que sejam ao menos amenizadas as situações em que claramente a demora do processo é benéfica ao réu que não tem razão, demonstrando que a lei busca atender as necessidades da sociedade.

 


[1]   THEODORO JUNIOR, Humberto; ANDRADE, Érico. A autonomização e a estabilização da tutela de urgência no projeto de CPC. Revista de Processo, n.206, p.13-58, abr. 2012.

[2]   “Art. 286.A petição inicial da medida requerida em caráter antecedente indicará a lide, seu fundamento e a exposição sumária do direito ameaçado e do receio de lesão.

     Art. 287.O requerido será citado para, no prazo de cinco dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir.

§ 1.o Do mandado de citação constará a advertência de que, não impugnada decisão ou medida liminar eventualmente concedida, esta continuará a produzir efeitos independentemente da formulação de um pedido principal pelo autor.

[…]

     Art. 288. Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo requerente presumir-se-ão aceitos pelo requerido como verdadeiros, caso em que o juiz decidirá dentro de cinco dias.

[…]

§ 2.o Concedida a medida em caráter liminar e não havendo impugnação, após sua efetivação integral, o juiz extinguirá o processo, conservando a sua eficácia.

[…]

     Art. 293. A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revogar, proferida em ação ajuizada por uma das partes.

     Parágrafo único. Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida para instruir a petição inicial da ação referida no caput.”

[3]   THEODORO JUNIOR, Humberto; ANDRADE, Érico. A autonomização e a estabilização da tutela de urgência no projeto de CPC. Revista de Processo, n.206, p.25, abr. 2012.

[4]   PAIM, Gustavo Bohrer. O Référé Francês. Revista de Processo, n.206, p.99-118, abr. 2012. p.99-118.

 

 

Patrícia de Andrade Atherino Veiga – OAB/PR 50.783

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