É sabido que nas relações de consumo os estabelecimentos comerciais tem o dever de zelar pela segurança de seus clientes. Contudo, não se pode deixar de elucidar que este dever não é absoluto e, portanto, encontra certas limitações.
Isto porque nem toda e qualquer situação danosa que se dá no interior de um estabelecimento comercial pode gerar a este responsabilidade ou dever de indenizar. Como exemplo desta limitação trataremos da hipótese em que o consumidor tem algum objeto pessoal subtraído durante o período de compras.
Em se tratando de objetos pessoais que os consumidores carregam consigo – tais como carteira, celular, documentos pessoais, entre outros – cabe esclarecer que não há como se imputar ao estabelecimento comercial qualquer dever de cuidado sob estes bens, tendo em vista que não há transferência da posse destes bens para o estabelecimento.
Ainda que haja entendimento diverso vale observar que, estando o bem em posse direta do consumidor, compete a este o dever de cuidado e vigilância sobre o mesmo. Sendo inclusive inviável exigir do estabelecimento comercial que exerça o dever de cuidado quando este sequer detém controle total ou guarda sobre o bem.
Não obstante, para que se pudesse falar em eventual responsabilidade do estabelecimento comercial, não bastaria tão somente o fato de o furto ter se dado em suas dependências, havendo necessidade de estar evidenciada uma falha na prestação do seu serviço.
Deve ser analisado se o furto ocorreu devido a alguma possível falha do estabelecimento ao prestar serviços a seus clientes, ou se por razões alheias a qualquer ato que este pudesse ter praticado para evitar o dano.
Ante a inocorrência de falha na prestação do serviço, não há que se falar em responsabilidade, eis que o estabelecimento comercial não pode ser incoerentemente responsabilizado por ato praticado por terceiro unicamente em razão deste agir em suas dependências. Lembrando que não se pode esquecer o dever do próprio consumidor em ser diligente ao cuidar do bem que carrega consigo.
Por fim, mais um requisito para que se configurasse um eventual dever de indenizar do estabelecimento comercial seria o nexo de causalidade, que se traduz, na hipótese aqui tratada, na relação existente entre a conduta do estabelecimento e o resultado suportado pelo consumidor.
Deve ser considerado que em se tratando de furto de um bem que estava sob os cuidados exclusivos do consumidor, o prejuízo suportado pelo consumidor não decorre de negligência do estabelecimento comercial e, portanto, não há como lhe imputar qualquer responsabilidade.
Corroborando com esta linha de raciocínio os Tribunais de Justiça do Estado de Santa Catarina e do Estado do Paraná já se posicionaram da seguinte forma:
RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL. ALEGADO FURTO DE BOLSA NO INTERIOR DE SUPERMERCADO. PEDIDOS ACOLHIDOS. APELO DA REQUERIDA. ATO DE TERCEIRO. DESÍDIA DA AUTORA QUANTO AOS PERTENCES PESSOAIS SOB SUA GUARDA DIRETA. NEXO DE CAUSALIDADE INEXISTENTE. DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. RECURSO DA RÉ PROVIDO. APELO DA AUTORA PREJUDICADO. Revela-se inviável a responsabilização de supermercado por suposto furto de bolsa em suas dependências, porquanto não houve, na hipótese, a transferência da guarda do bem ao estabelecimento comercial, sendo só do cliente o dever de vigilância em relação aos pertences pessoais que estejam em seu poder, tanto mais por se tratar sabidamente, de ambiente público, com ampla e ilimitada circulação de pessoas.
(TJ-SC – AC: 731996 SC 2008.073199-6, Relator: Eládio Torret Rocha, Data de Julgamento: 14/07/2011, Quarta Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Araranguá)
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. FURTO DE BOLSA NO INTERIOR DE SUPERMERCADO. DESÍDIA DA AUTORA QUANTO AOS SEUS PERTENCES PESSOAIS, SOB SUA GUARDA E VIGILÂNCIA. NEXO DE CAUSALIDADE INEXISTENTE. CULPA EXCLUSIVA DA CONSUMIDORA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Caso em que o furto ocorreu por descuido da própria autora, que deixou a bolsa dentro do carrinho de compras, não se podendo exigir da ré, nas circunstâncias concretas, o dever de guarda dos pertences da demandante, o que ultrapassaria o dever anexo de segurança decorrente da relação de consumo entabulada entre as partes.
(TJPR – 9ª C.Cível – AC – 917105-9 – Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – Rel.: Francisco Luiz Macedo Junior – Unânime – – J. 27.09.2012)
Pelas razões demonstradas percebe-se que nem toda situação de subtração de bens que se dá em um estabelecimento comercial merece ser tratada rigorosamente como sendo de responsabilidade deste, eis que se assim o fosse estaríamos a exigir dos estabelecimentos muito mais do que estes são obrigados a proporcionar aos seus clientes.
Diante disso, em que pese os clientes muitas vezes se sintam mais seguros dentro dos estabelecimentos comerciais, não se deve tratar esta segurança como uma obrigação inerente ao estabelecimento, eis que do contrário os estabelecimentos passariam a ser responsáveis por situações que certamente fogem de seu controle.