Por Cleverson Marinho Teixeira, Advogado.
OAB/PR 2.555
Entrou em vigor a Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2.013, que dispõe sobre a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
I – A QUEM SE APLICA
A lei se aplica às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.
II – RESPONSABILIZAÇÃO
A responsabilização da pessoa jurídica é objetiva. Contudo, a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora do ato ilícito, será aferida na medida da sua culpabilidade.
A responsabilidade da pessoa jurídica subsiste alinda que haja alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária, contudo restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados.
As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado.
A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos ou provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração.
III – ATOS LESIVOS / ILÍCITOS
São considerados atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, os que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil:
I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II – financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos na Lei;
III – utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV – frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
V – impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
VI – afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
VII – fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
VIII – criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
IX – obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais;
X – manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;
XI – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
Para os fins da lei, considera-se: (i) administração pública estrangeira os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro, equiparando-se a elas as organizações públicas internacionais; (ii) agente público estrangeiro quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais.
IV – SANÇÕES NA ESFERA ADMINISTRATIVA
Na esfera administrativa, serão aplicadas sanções às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos, as quais serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações:
I – multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais); e
II – publicação extraordinária da decisão condenatória, que ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores, sendo que também haverá um Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base nesta Lei.
V – DOS PROCEDIMENTOS
A aplicação destas sanções será precedida da manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica, ou equivalente, do ente público, não sendo excluída a obrigação da reparação integral do dano causado.
A instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, observando-se que as infrações prescrevem no prazo de 5 (cinco) anos, contados da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
A Controladoria-Geral da União – CGU terá competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados com fundamento nesta Lei, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento. À CGU compete a apuração, o processo e o julgamento dos atos ilícitos praticados contra a administração pública estrangeira.
A autoridade competente que, tendo conhecimento das infrações previstas nesta Lei, não adotar providências para a apuração dos fatos será responsabilizada penal, civil e administrativamente nos termos da legislação específica aplicável.
VI – ABRANDAMENTO DAS PENALIDADES
A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência – abrandamento das penalidades – com as pessoas jurídicas responsáveis que colaborem com as investigações e o processo administrativo, desde que dessa colaboração resulte a identificação dos demais envolvidos na infração e a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito.
VII – DELITOS / MINISTÉRIO PÚBLICO
O processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica será conduzido por uma comissão designada pela autoridade instauradora. Após a conclusão do procedimento administrativo, será dado conhecimento ao Ministério Público, para apuração de eventuais delitos.
VIII – RESPONSABILIZAÇÃO NA ESFERA JUDICIAL
A responsabilidade da pessoa jurídica na esfera administrativa não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial, podendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem assim o Ministério Público, ajuizar ação com vistas à aplicação de sanções às pessoas jurídicas infratoras, a saber:
I – perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades;
III – dissolução compulsória da pessoa jurídica;
IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.
A condenação torna certa a obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença.