Por ausência de pressuposto fático apto a lhe dar suporte, decisão de primeiro grau da Justiça Federal de Santa Catarina que ordenou o arresto de mais de R$ 8 milhões em bens de um empresário natural de São Paulo foi reformada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em julgamento realizado no mês de outubro de 2019.
Com esse raciocínio lógico, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, deu provimento ao recurso manejado pela defesa do empresário e revogou completamente a ilegal decretação de arresto que havia sido determinada pela 1ª Vara Federal de Florianópolis no início de 2017, no âmbito de operação policial que tramitou em sigilo.
A investigação foi iniciada com o objetivo de se apurar suposto delito de sonegação fiscal, além de outros crimes que foram apontados pela autoridade policial na Portaria de instauração do inquérito policial. Logo no início, o Juízo da 1ª Vara Federal de Florianópolis acolheu a representação policial, bem como, o Parecer apresentado pelo Ministério Público Federal em igual sentido e determinou o arresto de bens móveis e imóveis registrados em nome do investigado, com o manifestado escopo de: “garantir a reparação do dano causado por suposto crime e o pagamento de sua eventual reparação”. A estimativa de valor que norteou a decisão foi o montante total do crédito tributário indicado pela Receita Federal em auto de infração lavrado em desfavor do contribuinte.
Mas, a decisão judicial se pautou em fato inexistente – o que foi, ainda que a destempo, devida e justamente reconhecido. Sim, pois, nos casos de autos de infração impugnados administrativamente, a constituição definitiva do crédito tributário apontado pela Receita Federal ocorre somente depois de exaurida a via administrativa. No caso em apreço, o contribuinte havia impugnado a autuação fiscal, levando a discussão para apreciação e decisão em sede administrativa, sem que houvesse notícia de uma decisão definitiva.
É tão inexistente o fato para fins de persecução criminal que, posteriormente, por ausência de justa causa para eventual ação penal – tal como sustentou o investigado desde o início – o inquérito policial quanto ao arranjado crime tributário, previsto na Lei nº 8.137/90, foi arquivado. Claro, uma vez instaurado o litígio administrativo, não é autorizado que se invoque o imaginado crédito tributário em desfavor do contribuinte, notadamente se for para utilizar em procedimento de natureza penal. É dizer: não se poderia jamais admitir que a decisão monocrática partisse do pressuposto faltante de que havia “imposto sonegado” ou “desfalque ao erário”. É imposição a ser observada, na luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que não se pode fazer qualquer referência ou alusão ao imaginado crime tributário e aos valores que a Receita Federal pretende receber, em prejuízo evidente de garantias individuais, tal como, a da presunção de não culpabilidade, por exemplo, se o fato invocado em seu desfavor é inexistente.
E foi justamente com esse entendimento que a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por decisão dividida, corrigiu erro flagrante e reformou a decisão de primeiro grau.
O fato constou na ementa do Acórdão publicado em novembro de 2019. Na decisão colegiada, restou reconhecida a insubsistência do pressuposto fático invocado pela decisão questionada. A despeito do oferecimento de denúncia e da instauração de processo penal contra o investigado pela suposta prática de delitos não fiscais, a decisão do TRF4 representa importante precedente que deverá nortear o posicionamento do Tribunal em casos análogos. A decisão se opõe à retórica ordinariamente observada, de se invocar o Código de Processo Penal para dizer que antes do trânsito em julgado da sentença penal os bens apreendidos (ou arrestados) não poderão ser restituídos enquanto interessarem ao processo. No caso, foi permitida a restituição dos bens em fase anterior à sentença penal.
Se mesmo quando se determinou o arresto não havia suporte fático a embasar tão grave decisão, após o arquivamento do inquérito policial quanto aos delitos fiscais desapareceu completamente o fundamento que lastreou a medida constritiva. Daí se vislumbra o acerto da tese defensiva e, sobretudo, a justiça na decisão tomada pela Corte Regional ao restabelecer a ordem legal outrora violada.
Gabriel Medeiros Régnier
Advogado – parceiro na área penal do escritório Cleverson Marinho Teixeira Advogados Associados.