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IMPEACHMENT, por Cleverson Marinho Teixeira – Uma abordagem Jurídica e Política (parte 1)

O advogado Cleverson Marinho Teixeira tece amplas considerações sobre o instituto de impeachment, abordando aspectos jurídicos e políticos. É um conteúdo importante no momento em que o Congresso Nacional inicia o rito processual do impeachment da presidente Dilma Rousseff

Quanto ao pedido de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, procuro com esse artigo apresentar uma visão dos crimes de responsabilidade que geram o processo e como ele deve se desenvolver. 

O caso concreto merece toda a nossa atenção, empenho em discuti-lo e desassombro para decidi-lo, principalmente considerando sua importância e relevância institucional, moral, política e econômica à vida dos brasileiros.

Veremos as normas constitucionais e demais disposições legais que se aplicam ao caso, destacando aspectos do pedido de impeachment formulado por juristas brasileiros.

Analisarei o passo a passo do processo na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e, finalmente, formularei opinião sobre o que julgo norteará a decisão de voto dos julgadores. Também tecerei considerações sobre as decisões tomadas no caso pelo Supremo Tribunal Federal, alertando que, fundamentado nas disposições da Constituição Federal – artigo 51, inciso I, e artigo 86, discordo especialmente daquela que atribui ao Senado, e não à Câmara, a decisão sobre o recebimento da denúncia no processo de impeachment (Letra G da ata do STF). As sobreditas disposições constitucionais são claras em atribuir privativamente à Câmara dos Deputados a competência para admitir e autorizar a instauração de processo contra o Presidente da República

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

I – autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; (…)

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

Creio também que devamos ressaltar, em todas as análises, que o exercício do poder supremo no País está subordinado ao cumprimento de normas. Que vivemos em uma República e não em um regime de força, que tudo permite ao mandatário.

I         –       LEGISLAÇÃO

1.      CRIMES DE RESPONSABILIDADE / NORMAS CONSTITUCIONAIS. A Constituição Federal, em seu artigo 85, estabelece que são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.  Citado artigo da Constituição, em seu parágrafo único, também determina que lei especial: (i) definirá esses crimes; e (ii) estabelecerá as normas do seu respectivo processo e julgamento.

2.      NORMAS DE FINANÇAS PÚBLICAS / CRIMES DE RESPONSABILIDADE. Igualmente tem-se a considerar outras normas da Constituição, de Lei Complementar e da legislação comum que interessam à análise do caso, como:       (i) o artigo 167, inciso V, da CF, que veda a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;  (ii) a legislação complementar – LC n. 101/2000 -, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal;      (iii) dispositivos da Lei n. 1.079/1950, que regulam as várias espécies de crimes de responsabilidade do Presidente da República.

 Constituição Federal =      

Art. 167. São vedados:

V – a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação de recursos correspondentes; …

 Lei Complementar n. 101, de 04.05.2000 =   

 Art. 9o. Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

 Lei n. 1.079/1950 = 

 Art. 1º São crimes de responsabilidade os que esta lei especifica. 

 Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República. 

 Art. 3º A imposição da pena referida no artigo anterior não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal. 

3.      LEI 1.079/1950 – DEFINIÇÃO DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE / PROCESSO DE JULGAMENTO. A Lei n. 1.079/1950: (i) em seu artigo 4º, define os crimes de responsabilidade do Presidente da República e Ministros de Estado, em consonância com o artigo 85 da Constituição Federal; (ii) em seus artigos 5º a 12, define cada um desses crimes elencados; (iii) em seus artigos 14 a 38, regula o processo e julgamento do Presidente da República, iniciando por especificar que é permitido a qualquer cidadão oferecer a denúncia.

 4.      CRIMES CONTRA A GUARDA E LEGAL EMPREGO DOS DINHEIROS PÚBLICOS. Ainda com relação à Lei n. 1.079, o seu artigo 11, explicita que também constituem crime “os atos do Presidente da República que atentarem contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos”, cuja denominação, como vimos, não está textualmente inscrita no art. 85 da Constituição Federal. Não obstante, igualmente se conformam com as disposições desse dispositivo constitucional (art. 85), enquadrando-se nos seus incisos  V (“crimes contra a probidade administrativa”)  e VI (“crimes contra a lei orçamentária”), eis que os conceitos inseridos em tais incisos compreendem perfeitamente as obrigações de “guarda e legal emprego dos dinheiros públicos”.

 5.         CÓDIGO PENAL. Há que se ter em conta também o Código Penal, em seus artigos 299, 359-A e 359-C, que tratam da ocorrência de falsidade ideológica, contratação de operação de crédito sem prévia autorização legislativa e assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura.

Código Penal 

 Falsidade ideológica – Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

  Contratação de operação de crédito – Art. 359-A. Ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo, sem prévia autorização legislativa. Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Parágrafo único. Incide na mesma pena quem ordena, autoriza ou realiza operação de crédito, interno ou externo:

I – com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei ou em resolução do Senado Federal;

II – quando o montante da dívida consolidada ultrapassa o limite máximo autorizado por lei.

 Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura. Art. 359-C. Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa. Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

 II          –           PEDIDO DE IMPEACHMENT

 6.         CASO CONCRETO. HÉLIO PEREIRA BICUDO, Procurador de Justiça Aposentado, MIGUEL REALE JUNIOR, Advogado e Professor, e JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL, Advogada e Professora, apresentaram DENÚNCIA em face da Presidente da República, arguindo prática de crime de responsabilidade. Requereram fosse decretada a perda de seu cargo, bem como a inabilitação para exercer função pública, pelo prazo de oito anos. Os autores da denúncia fundamentam-na nas seguintes disposições legais: (i) Constituição Federal = artigo 85, incisos V, VI e VII; (II) Lei Complementar n. 101/2000; (iii) Lei n. 1.079/1950 = artigo 4º, incisos V e VI; artigo 9º, números 3 e 7; artigo 10, números 4, 6, 7, 8 e 9; e artigo 11, números 2 e 3; (iv) Código Penal – artigos 299, 359-A e 359-C.

 Lei n. 1.079/1950 =

 Art. 4º. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra: 

V – A probidade na administração; 

VI – A lei orçamentária; 

Art. 9º. São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:

3 – não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição;

7 – proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo.

Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:

4)  infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária;

6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal;

7) deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei;     

8) deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro;  

9) ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente;     

Art. 11. São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos:

2 – Abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais;

3 – Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal;  (….).

 7.         RESUMO DOS TERMOS DA DENÚNCIA.  Os Denunciantes, requerentes do Impeachment, formularam a denúncia, da qual apresento a seguir, resumidamente,  o seu conteúdo:

  •  A Presidente cometeu crime de responsabilidade ao editar nos anos de 2014 e 2015, uma série de decretos ilegais, sem número, que resultaram na abertura de créditos suplementares, de valores muito elevados, sem autorização do Congresso Nacional. Esses decretos foram publicados após a constatação, pelo Tesouro Nacional, de que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual não haviam sido cumpridas, como revelado pelo Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 5º Bimestre de 2014 do Tesouro Nacional. Os valores de créditos suplementares objeto de decretos não numerados foram da ordem de R$ 18.448.483.379,00. O acompanhamento do Superávit Primário tornou-se ficção, desrespeitado assim mandamentos legais, a Lei Orçamentária e a probidade administrativa. 
  •  A ilegalidade da conduta da denunciada se revela a partir de proibições constitucionais e da Lei Orçamentária Anual, que não permitem à denunciada autorizar qualquer valor de verba suplementar sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes, que devem constar de lei específica.  O TCU já reconheceu ser ilegal esta prática assim se manifestando: “17.1.2. Abertura de créditos suplementares, entre 5/11/2014 e 14/12/2014, por meio de Decretos Não Numerados 14028, 14029, 14041, 14042, 13060, 14062 e 14063, incompatíveis com a obtenção da meta de resultado primário então vigente, em desacordo com o art. 4º da Lei Orçamentária Anual de 2014, infringindo por consequência o art. 167, inc. V, da Constituição Federal, e com a estrita vinculação dos recursos oriundos do excesso de arrecadação ou de superávit financeiro, contrariando o parágrafo único do art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal.” 
  •  Conforme apurado pelo Tribunal de Contas da União, durante os anos de 2011 e 2014 a contabilidade da União não espelha a realidade das contas públicas, o que afronta a necessária transparência e revela o uso de artifícios contábeis para ocultar dívidas, no rol dos passivos da União. Isso se evidencia nas dívidas líquidas do setor público perante instituições financeiras estatais.  
  • Tal situação criou crédito desses entes com a União, afrontando o impedimento legal de realização de empréstimo entre União e Instituição Financeira Estatal, bem como as formalidades requeridas para a contratação de créditos por Entes da Federação.  
  • Em suma, argumentam os denunciantes que o comportamento adotado pela Presidente, além de crimes de responsabilidade, se conforma com inúmeras atitudes de omissão, condescendência criminosa e crimes comuns, capitulados no Código Penal. 

  III       –       PROCESSO / JULGAMENTO

 8.         LEI 1.079/1950 e REGIMENTOS INTERNOS DA CÂMARA E DO SENADO. Como demonstrado, o processo e o julgamento são regidos pela Lei n. 1.079/1950 nos dispositivos que não conflitem com a Constituição Federal de 1988. Especialmente importante é o disposto em seus artigos 5º a 12, que definem os crimes de responsabilidade em que pode incidir o Presidente da República, e em seus artigos 14 a 38, que estabelecem as regras do processo e julgamento. Destaque-se que o artigo 38, da Lei n. 1.079/1950, determina que as normas dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado, que se referem ao processo de impeachment, também se aplicam, de forma subsidiária (Letra B da ata do STF).

 Lei n. 1.079/1950  =  Art. 38. No processo e julgamento do Presidente da República e dos Ministros de Estado, serão subsidiários desta lei, naquilo em que lhes forem aplicáveis, assim os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. 

III.1   –    CÂMARA DOS DEPUTADOS

9.      DENÚNCIA / ACUSAÇÃO. O processo de impeachment se inicia quando uma denúncia formulada por qualquer cidadão é recebida pelo Presidente da Câmara, que determinará sua leitura no expediente da sessão seguinte e a despachará a uma Comissão Especial, que deverá ser eleita, competindo-lhe opinar sobre a denúncia em questão. De tal Comissão participarão proporcionalmente representantes de todos os partidos políticos. Lei n. 1.079/1950, artigos 14 a 19.

 Lei n. 1.079/1950 = 

 Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.

 Art. 15. A denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo.

 Art. 16. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do local onde possam ser encontrados, nos crimes de que haja prova testemunhal, a denúncia deverá conter o rol das testemunhas, em número de cinco no mínimo.

 Art. 17. No processo de crime de responsabilidade, servirá de escrivão um funcionário da Secretaria da Câmara dos Deputados, ou do Senado, conforme se achar o mesmo em uma ou outra casa do Congresso Nacional.

 Art. 18. As testemunhas arroladas no processo deverão comparecer para prestar o seu depoimento, e a Mesa da Câmara dos Deputados ou do Senado por ordem de quem serão notificadas, tomará as providências legais que se tornarem necessárias legais que se tornarem necessárias para compeli-las a obediência.

 Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma.

 Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

 Art. 218. É permitido a qualquer cidadão denunciar à Câmara dos Deputados o Presidente da República, o Vice-Presidente da República ou Ministro de Estado por crime de responsabilidade.

§ 1º A denúncia, assinada pelo denunciante e com firma reconhecida, deverá ser acompanhada de documentos que a comprovem ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los, com indicação do local onde possam ser encontrados, bem como, se for o caso, do rol das testemunhas, em número de cinco, no mínimo.

§ 2º Recebida a denúncia pelo Presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os Partidos.

§ 3º Do despacho do Presidente que indeferir o recebimento da denúncia, caberá recurso ao Plenário.

10.      DEFESA PRÉVIA. Feitas essas considerações, o processo segue os passos que a seguir descreveremos, iniciando por destacar que não há previsão de defesa prévia ao ato do Presidente da Câmara que recebe a denúncia (Letra A da ata do STF).

 11.      LEITURA DA DENÚNCIA. Com relação às normas procedimentais sequenciais ao recebimento da denúncia, o STF destaca expressamente que foram recepcionados pela CF/88 os artigos 19, 20 e 21 da Lei n. 1.079/1950. Observados esses dispositivos, recebida a denúncia é ela lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma (Letra C da ata do STF).

12.      COMISSÃO ESPECIAL / PARECER / FORMAÇÃO POR INDICAÇÃO DOS LÍDERES PARTIDÁRIOS.Inicia-se aí a discussão que temos presenciado. Como se proceder a eleição da Comissão Especial? E, se mediante voto aberto ou secreto?      Observe-se que as Comissões no Congresso Nacional, de conformidade com seus respectivos Regimentos, são formadas por indicação da liderança e tem como função precípua a elaboração de pareceres,  que necessariamente não obrigam o plenário a aceitá-los.  A expressão “eleita” pode-se entender justamente como a forma de escolha como normalmente é procedida pela liderança de bancada, ou seja, por via indireta através de quem foi eleito como líder partidário por votação direta dos parlamentares do respectivo partido ou bloco partidário. Quanto ao assunto, vale invocar o artigo 10, do Regimento Interno da Câmara, que esclarece: “Art. 10. O Líder, além de outras atribuições regimentais, tem as seguintes prerrogativas: … VI – indicar à Mesa os membros da bancada para compor as Comissões, e, a qualquer tempo, substituí-los.”

 13.      COMISSÃO ESPECIAL / CHAPAS / ELEIÇÃO DIRETA COM VOTO ABERTO. Quanto a Comissão Especial, poderia ainda se imaginar outra como, por exemplo, uma eleição mediante inscrição de duas ou mais chapas, completas e contemplando o número de deputados que cabe a cada Partido na formação da Comissão Especial. Uma destas chapas seria com certeza, aquela que seria formada por indicação dos líderes partidários ou pelo menos por grande parte deles. Ao final, a chapa mais votada comporia a Comissão Especial.

VOTO SECRETO OU ABERTO. Em parte foi o que ocorreu e o STF manifestou-se contra a votação secreta havida, decidindo pelo voto aberto, o que se coaduna como o disposto pelo § 2º, do artigo 188, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados: “§ 2º. Não serão objeto de deliberação por meio de escrutínio secreto: … IV – autorização para instauração de processo, nas infrações penais comuns ou nos crimes de responsabilidade, contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministro de Estado.”  Este dispositivo deixa clara a questão, eis que não seria lógico se, para tão importante procedimento do processo de impeachment, como é  a escolha da Comissão Especial, encarregada do parecer que será apreciado pelo plenário, o voto fosse secreto, enquanto à outra fase, de votação pelo plenário, fosse aberto. Creio que ambos devem seguir o mesmo critério, portanto voto aberto.

NÚMERO DE MEMBROS. Quanto ao número de membros há que preliminarmente se definir quantos membros cada Partido Político deverá ter na Comissão, número este calculado pela respectiva proporção na representação de cada um deles no colegiado da Câmara, sendo que cada Partido ou Bloco Partidário faria internamente a eleição dos seus integrantes para compor a Comissão Especial.

 14.      CANDIDATURA AVULSA / PROPORCIONALIDADE. Nestas condições, observe-se, ainda, que, como também decidiu o STF, entendo que não poderá haver candidatura avulsa.  Quanto a proporcionalidade na composição da Comissão Especial, decorre ela do disposto no artigo 19, da Lei n. 1.079/1950, bem como com do § 2º, do artigo 218, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. (Letra D da ata do STF).

 Lei n. 1.079/1950 = Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma. 

 Regimento Interno da Câmara dos Deputados = Art. 218. § 2º Recebida a denúncia pelo Presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os Partidos.

 15.      PRESIDENTE E RELATOR / DILIGÊNCIAS / PARECER DA COMISSÃO. Os artigos 20 e 21, da Lei n. 1.079/1950, estabelecem os próximos passos. A Comissão elege seu Presidente e um Relator para emitir um Parecer, que será apreciado, discutido e aprovado ou não por ela. Observe-se que para a melhor formulação do Parecer podem ser realizadas diligências necessárias a esclarecimentos, cujo Parecer, discutido e aprovado pela Comissão Especial, será encaminhado à Mesa da Câmara para ser submetido à votação nominal dos integrantes da Casa, que decidirá sobre a aceitação ou não do parecer, seja ele pela decretação, ou não, da pronúncia da acusada. Assim, o Parecer pode ou não ser acatado pelo Plenário da Câmara, cuja deliberação, em caso de divergência, prevalece sobre o entendimento da Comissão Especial.

Lei n. 1.079/1950 = 

Art. 20. A comissão a que alude o artigo anterior se reunirá dentro de 48 horas e, depois de eleger seu Presidente e relator, emitirá parecer, dentro do prazo de dez dias, sobre se a denúncia deve ser ou não julgada objeto de deliberação. Dentro desse período poderá a comissão proceder às diligências que julgar necessárias ao esclarecimento da denúncia.

 § 1º O parecer da comissão especial será lido no expediente da sessão da Câmara dos Deputados e publicado integralmente no Diário do Congresso Nacional e em avulsos, juntamente com a denúncia, devendo as publicações ser distribuídas a todos os deputados.

§ 2º Quarenta e oito horas após a publicação oficial do parecer da Comissão especial, será o mesmo incluído, em primeiro lugar, na ordem do dia da Câmara dos Deputados, para uma discussão única.

 Art. 21. Cinco representantes de cada partido poderão falar, durante uma hora, sobre o parecer, ressalvado ao relator da comissão especial o direito de responder a cada um.

 16.      DECISÃO DO PLENÁRIO DA CÂMARA / ADMISSÃO DA ACUSAÇÃO / INSTAURAÇÃO OU ARQUIVAMENTO DO PROCESSO. Com Parecer favorável ou contrário, a  decisão definitiva de autorizar ou não a instauração do processo contra a Presidente da República será tomada pelo plenário da Câmara dos Deputados. Assim, observados os artigos 55, inciso I, e 86 da Constituição Federal, e os dispositivos da Lei n. 1.079/1950 que pelo STF não foram declarados não recepcionados pela CF, entre tais dispositivos a primeira parte do seu art. 22 (Letra C da ata do STF) e os §§ 2º, 3º e 6º do art. 23 (Letra I da ata do STF), o Plenário da Câmara dos Deputados decidirá: (i) pelo arquivamento da denúncia se entender que não deva ser objeto de deliberação (Lei n. 1.079/1950, art. 22, primeira parte); ou (ii) pela confirmação do recebimento da denúncia, sendo necessário para a decretação da acusação o voto de 2/3 (dois terços) de seus membros (CF, art. 51, inciso I, e art. 86). Ocorrendo a decretação, a própria Câmara promoverá a intimação do denunciado (Lei n. 1.079/1950, art. 23, §§ 2º e 3º) e o imediato encaminhamento do processo ao Senado Federal para o julgamento (Lei n. 1.079/1950, art. 23, § 6º).

 Lei n. 1.079/1950 =

 Art. 22 (primeira parte). Encerrada a discussão do parecer, e submetido o mesmo a votação nominal, será a denúncia, com os documentos que a instruam, arquivada, se não fôr considerada objeto de deliberação.

 Art. 23 – § 2º Decretada a acusação, será o denunciado intimado imediatamente pela Mesa da Câmara dos Deputados, por intermédio do 1º Secretário.

 Art. 23 – § 3º Se o denunciado estiver ausente do Distrito Federal, a sua intimação será solicitada pela Mesa da Câmara dos Deputados, ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado em que êle se encontrar.

 Art. 23 – § 6º Conforme se trata da acusação de crime comum ou de responsabilidade, o processo será enviado ao Supremo Tribunal Federal ou ao Senado Federal.

 17.     SUSPENSÃO DAS FUNÇÕES. Pelo disposto no artigo 86, parágrafo 1º, inciso II, da Constituição Federal, não foi por ela recepcionado o disposto no parágrafo 5º, do artigo 23, da Lei n. 1.079/1950, que considerava efeito imediato do decreto de acusação do Presidente da República, a suspensão do exercício das funções do acusado, até sentença final. Assim, a hipótese de suspensão do exercício das funções do Presidente da República somente se dará quando o processo já estiver em curso na casa de julgamento, ou seja, no Senado Federal.

 Constituição Federal = Art. 86. (…)

§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções: II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

 Lei n. 1.079/1950 =

Art. 23. … § 5º São efeitos imediatos ao decreto da acusação do Presidente da República, ou de Ministro de Estado, a suspensão do exercício das funções do acusado e da metade do subsídio ou do vencimento, até sentença final. 

III.2      –          SENADO FEDERAL

18.      INSTAURAÇÃO DO PROCESSO. O Supremo Tribunal Federal entendeu constitucionalmente possível a aplicação analógica ao caso dos artigos 44, 45, 46, 47, 48 e 49 da Lei nº 1.079/1950 (Letra H da ata do STF).

19.      COMISSÃO ESPECIAL DO SENADO. Assim, recebida pela Mesa do Senado a denúncia encaminhada pela Câmara dos Deputados, será ela lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma também Comissão Especial, agora do Senado, igualmente eleita, para opinar, emitindo seu parecer no prazo de 10 (dez) dias, sobre se a denúncia deve ser ou não julgada, podendo nesse período igualmente proceder às diligências que entender necessárias.

 Lei n. 1.079/1950 =

 Art. 44. Recebida a denúncia pela Mesa do Senado, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial, eleita para opinar sobre a mesma.

 Art. 45. A comissão a que alude o artigo anterior, reunir-se-á dentro de 48 horas e, depois de eleger o seu presidente e relator, emitirá parecer no prazo de 10 dias sobre se a denúncia deve ser, ou não julgada objeto de deliberação. Dentro desse período poderá a comissão proceder às diligências que julgar necessárias.

20.      PARECER DA COMISSÃO / DECISÃO SE A DENÚNCIA DEVE SER OBJEITO DE DELIBERAÇÃO. O parecer da Comissão Especial do Senado será submetido a uma só discussão e à votação nominal dos Senadores. Nesta etapa, por maioria simples de votos dos Senadores, concluirá o Senado: (i) se deve julgar a denúncia encaminhada pela Câmara dos Deputados; ou (ii) se a denúncia simplesmente não deve constituir objeto de deliberação, hipótese em que os papéis serão arquivados.

 Lei n. 1.079/1950 =

 Art. 46. O parecer da comissão, com a denúncia e os documentos que a instruírem, será lido no expediente de sessão do Senado, publicado no Diário do Congresso Nacional e em avulsos, que deverão ser distribuídos entre os senadores, e dado para ordem do dia da sessão seguinte.

 Art. 47. O parecer será submetido a uma só discussão, e a votação nominal considerando-se aprovado se reunir a maioria simples de votos.

 Art. 48. Se o Senado resolver que a denúncia não deve constituir objeto de deliberação, serão os papeis arquivados.

 Art. 49. Se a denúncia for considerada objeto de deliberação, a Mesa remeterá cópia de tudo ao denunciado, para responder à acusação no prazo de 10 dias.

 21.      DEFESA DO DENUNCIADO / SUSPENSÃO DAS FUNÇÕES. Sendo o processo considerado instaurado pelo Senado Federal, a Mesa do Senado remeterá cópia de tudo ao denunciado ou denunciada, para responder à acusação no prazo de 10 (dez) dias, devendo também ser cumprido a disposição contida no artigo 86, parágrafo 1º, inciso II, da Constituição Federal, que estabelece que o Presidente da República ficará suspenso de suas funções. Note-se que neste ponto, não foi recepcionado o disposto no artigo 23, parágrafo 5º, da Lei n. 1.079/1950, pelo qual a suspensão do exercício das funções do acusado seria efeito imediato já da deliberação de acusação aprovada pela Câmara dos Deputados.

 Constituição Federal =

 Art. 86. – § 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções: …. II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

 Lei n. 1.079/1950 =

 Art. 23. … Parágrafo 5º – São efeitos imediatos ao decreto de acusação do Presidente da República, ou de Ministro de Estado (decreto da Câmara), a suspensão do exercício das funções do acusado e da metade do subsídio ou do vencimento, até sentença final.

 22.      SESSÃO DE JULGAMENTO / PRESIDÊNCIA / QUORUM. Perfeitamente em consonância com o parágrafo único, do art. 52, da Constituição Federal, o parágrafo único, do art. 80, da Lei n. 1.079/1950, estabelece que, na apuração e julgamento dos crimes de responsabilidade, o Senado Federal funcionará sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal e só proferirá sentença condenatória pelo voto de 2/3 (dois terços) dos seus membros.

Constituição Federal = Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente; (…)

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços do Senado Federal à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

 Lei n. 1.079/1950 = Art. 80. – Parágrafo único. O Senado Federal, na apuração e julgamento dos crimes de responsabilidade funciona sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal, e só proferirá sentença condenatória pelo voto de dois terços dos seus membros.

23.      TESTEMUNHAS / INTERROGATÓRIO / JULGAMENTO. No dia do julgamento no Senado Federal, presentes o acusado e seus advogados, serão ouvidas as testemunhas e interrogado o acusado.

 Lei n. 1.079/1950  =

 Art. 27. No dia aprazado para o julgamento, presentes o acusado, seus advogados, ou o defensor nomeado a sua revelia, e a comissão acusadora, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, abrindo a sessão, mandará ler o processo preparatório o libelo e os artigos de defesa; em seguida inquirirá as testemunhas, que deverão depor publicamente e fora da presença umas das outras.

Art. 28. Qualquer membro da Comissão acusadora ou do Senado, e bem assim o acusado ou seus advogados, poderão requerer que se façam às testemunhas perguntas que julgarem necessárias.

Parágrafo único. A Comissão acusadora, ou o acusado ou seus advogados, poderão contestar ou arguir as testemunhas sem contudo interrompê-las e requerer a acareação.

 24.      DEBATES / VOTAÇÃO NOMINAL. Findos os debates orais e retiradas as partes, abrir-se-á discussão sobre o objeto da acusação. Encerrada a discussão o Presidente do Supremo Tribunal Federal fará relatório resumido da denúncia e das provas da acusação e da defesa e submeterá o julgamento à votação nominal dos senadores.

 Lei n. 1.079/1950 =

 Art. 29. Realizar-se-á a seguir o debate verbal entre a comissão acusadora e o acusado ou os seus advogados pelo prazo que o Presidente fixar e que não poderá exceder de duas horas.

 Art. 30. Findos os debates orais e retiradas as partes, abrir-se-á discussão sobre o objeto da acusação.

 Art. 31. Encerrada a discussão o Presidente do Supremo Tribunal Federal fará relatório resumido da denúncia e das provas da acusação e da defesa e submeterá a votação nominal dos senadores o julgamento.

25.      SENTENÇA / DESTITUIÇÃO DO CARGO OU ABSOLVIÇÃO. Com vimos, a sentença somente resultará em perda do cargo se proferida por 2/3 (dois terços) dos integrantes do Senado Federal. Se a votação for contrária ou o quorum não for atingido o julgamento será considerado absolutório.

 Lei n. 1.079/1950 =

 Art. 32. Se o julgamento for absolutório produzirá desde logo, todos os efeitos a favor do acusado.

 Art. 33. No caso de condenação, o Senado por iniciativa do presidente fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública; e no caso de haver crime comum deliberará ainda sobre se o Presidente o deverá submeter à justiça ordinária, independentemente da ação de qualquer interessado.

 Art. 34. Proferida a sentença condenatória, o acusado estará, ipso facto destituído do cargo.

 Art. 35. A resolução do Senado constará de sentença que será lavrada, nos autos do processo, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, assinada pelos senadores que funcionarem como juízes, transcrita na ata da sessão e, dentro desta, publicada no Diário Oficial e no Diário do Congresso Nacional.

 Art. 36. Não pode interferir, em nenhuma fase do processo de responsabilidade do Presidente da República ou dos Ministros de Estado, o deputado ou senador; a) que tiver parentesco consanguíneo ou afim, com o acusado, em linha reta; em linha colateral, os irmãos cunhados, enquanto durar o cunhado, e os primos co-irmãos; b) que, como testemunha do processo tiver deposto de ciência própria.

Art. 37. O congresso Nacional deverá ser convocado, extraordinariamente, pelo terço de uma de suas câmaras, caso a sessão legislativa se encerre sem que se tenha ultimado o julgamento do Presidente da República ou de Ministro de Estado, bem como no caso de ser necessário o início imediato do processo.

 Art. 38. No processo e julgamento do Presidente da República e dos Ministros de Estado, serão subsidiários desta lei, naquilo em que lhes forem aplicáveis, assim os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, como o Código de Processo Penal.

IV        –           COMENTÁRIOS SOBRE A DECISÃO DO STF

 26.      COMPETÊNCIA DA CÂMARA E DO SENADO. Como pode se observar, ao relatar os procedimentos a serem adotados, desconsiderei a decisão do STF que concede ao Senado Federal apreciar preliminarmente se a deliberação da Câmara dos Deputados com relação a instauração do processo é definitiva ou se depende de aprovação do Senado Federal. E assim o fiz, porque discordo da decisão que retira da Câmara dos Deputados a condição de tribunal de pronúncia no caso de crime de responsabilidade do Presidente da República, por entender que o artigo 80, da Lei n. 1.079/1950, em plena consonância com a Constituição – artigos 51, 52 e 86 -, deixa absolutamente claro que nos crimes de responsabilidade do Presidente da República, a Câmara dos Deputados é Tribunal de Pronúncia e o Senado Federal o Tribunal de Julgamento.

27.      EQUÍVOCO / DESEQUILÍBRIO INSTITUCIONAL. Pretender que o Senado Federal promova uma votação de convalidação ao decreto de acusação formulado pela Câmara dos Deputados, além de diminuir a importância daquela casa do Congresso Nacional, cujos integrantes representam o povo, seria um contrassenso, pois, se correta estivesse a decisão do STF, sequer haveria necessidade de manifestação da Câmara e o Senado exerceria ao mesmo tempo 2 (dois) papeis, o de acusar e julgar. O Senado deve se reservar à função principal que é julgar; ter consciência do pensamento dos representantes do povo brasileiro e cumprir essa função com a maior acuidade (CF, art. 52). Senado e Câmara cada uma tem seu papel relevante e fundamental à vida da sociedade, convalidando o necessário equilíbrio institucional à representação popular e à representação das unidades federativas.  Ademais, o STF desconsiderou o que rezam os artigos 51 e 86 da Constituição Federal; (i) o art. 51 é claro ao estabelecer que quem autoriza a instauração de processo contra o Presidente da República é a Câmara dos Deputados; (ii) o art. 86, também é absolutamente preciso, ao dizer que quem admite a acusação contra o Presidente da República é a Câmara dos Deputados.

 Constituição Federal =  

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

I – autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; (…)

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

 Lei n. 1.079/1950 = Art. 80. Nos crimes de responsabilidade do Presidente da República e dos Ministros de Estado, a Câmara dos Deputados é tribunal de pronúncia e o Senado Federal tribunal de julgamento; nos crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador Geral da República, o Senado Federal é, simultaneamente, tribunal de pronuncia e julgamento.

  V        –           SÍNTESE

 28.      NORMAS CONSTITUCIONAIS / CARÁTER PROCESSUAL. Em suma, o processo de impeachment contra o Presidente da República, em razão de crimes de responsabilidade, deve observar as disposições constitucionais, especialmente art. 51, inciso I, art. 52, inciso I e parágrafo único, e art. 86, § 1º, inciso I, que estabelecem que: (i) a autorização para a instauração do processo compete à Câmara dos Deputados, por dois terços de seus membros (art. 51, I, e 86); (ii) o processo e o julgamento são competência do Senado Federal, exigindo-se para a condenação o voto de 2/3 (dois terços) dos Senadores; (iii) no processo funcionará como Presidente da Sessão no Senado o Presidente do Supremo Tribunal Federal.

 29.   DELIBERAÇÕES DO STF. Com relação a outras deliberações do Supremo Tribunal Federal, cumpre-nos destacar ainda as seguintes: (i) Qualquer medida cautelar eventualmente solicitada no processo será julgada juntamente com o mérito;  (ii) Impossibilidade de aplicação subsidiária das hipóteses de impedimento e suspeição do CPP relativamente ao Presidente da Câmara dos Deputados (Letra K da ata do STF)(iii) Senadores não precisam se apartar da função acusatória (Letra J da ata do STF);  (iv) admitida a acusação por 2/3 (dois) terços da Câmara dos Deputados e instaurado o processo pelo Senado Federal, cuja expressão pode também se entender como “instaurado o processo no Senado Federal”, o Presidente ficará suspenso de suas funções; (v) a condenação limitar-se-á à perda do cargo, com inabilitação, por 8 (oito) anos, ao exercício de função pública. 

 30.      PROCEDIMENTOS.  Assim, recebido no Senado o decreto de acusação enviado pela Câmara dos Deputados, o Presidente do Senado deve seguir os ditames do artigo 24, da Lei n. 1.079/1950: (i) considerar o processo instaurado e nomear uma Comissão Especial, com finalidade de apresentar ou não o libelo;        (ii) em seguida, comunicar ao Presidente que ele está suspenso de suas funções; (iii) remeter cópia de tudo ao acusado e o notificar a comparecer em dia prefixado perante o Senado, quando poderá oferecer defesa e novos meios de prova (Letra E da ata do STF), sendo que o interrogatório do denunciado ocorrerá por ocasião do ato final da instrução probatória (Letra F da ata do STF); (iv) enviar ao Presidente do Supremo Tribunal Federal o processo original com a comunicação do dia designado para o julgamento.

 Constituição Federal =      

 Art. 86. – § 1º. O Presidente ficará suspenso de suas funções:

I – (….);

II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

 Lei n. 1.079/1950 =

 Art. 24. Recebido no Senado o decreto de acusação com o processo enviado pela Câmara dos Deputados e apresentado o libelo pela comissão acusadora, remeterá o Presidente cópia de tudo ao acusado, que, na mesma ocasião e nos termos dos parágrafos 2º e 3º do art. 23, será notificado para comparecer em dia prefixado perante o Senado.

Parágrafo único. Ao Presidente do Supremo Tribunal Federal enviar-se-á o processo em original, com a comunicação do dia designado para o julgamento.

Art. 25. O acusado comparecerá, por si ou pelos seus advogados, podendo, ainda, oferecer novos meios de prova.

Art. 26. No caso de revelia, marcará o Presidente novo dia para o julgamento e nomeará para a defesa do acusado um advogado, a quem se facultará o exame de todas as peças de acusação.

31.      CARÁTER PROCESSUAL JURÍDICO. Como evidenciado nos precedentes doutrinários e jurisprudenciais, o caráter jurídico do processo de impedimento praticamente se fixa na regência da forma por meio da qual se observarão os procedimentos definidos em lei e nos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com especial destaque para as normas processuais constitucionais, notadamente o direito ao contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Também sob o prisma jurídico, há a constatação de atos que caracterizam de fato a ocorrência de crimes de responsabilidade.

32.      ASPECTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS.  Assim, embora constatar-se a ocorrência de crimes de responsabilidade da denunciada, atentatórios à probidade administrativa, como sérias lesões ao orçamento, pela edição de decretos não numerados, abrindo crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional, pela prática das chamadas “pedaladas fiscais”, com inequívoca “maquiagem” das contas públicas, além de tantas outras atitudes e atos já referidos, cometidos pelo Presidente e que comprometem o exercício do seu cargo, – por certo na definição dos votos dos parlamentares, pela própria natureza do instituto do impeachment, os aspectos que prevalecerão serão muito mais políticos do que meramente jurídicos.

Deverão influir nas decisões a situação insustentável de governabilidade, a corrupção reinante e a necessidade de manter-se a ordem pública. Ademais, fundamental retomar a confiança na autoridade, ajustar planos de recuperação da economia e das finanças públicas, e de tantos outros ajustes e reformas que se impõem.

33.  JUÍZO JURÍDICO / ÉTICO / POLÍTICO. Desta forma, deverão influir na decisão aspectos jurídicos, quanto éticos e políticos. As questões de ordem processual deverão ser mais fortemente discutidas sob um juízo jurídico. Contudo, na decisão final, o parlamentar se defrontará muito mais com sua consciência ética e política. Estivéssemos sob um regime parlamentarista, não causaria tantas crises a retirada do poder de quem não mais tivesse condições de exercê-lo, independentemente de haver cometido algum crime. Bastaria que se revelassem condições de ingovernabilidade ou incapacidade para exercer as funções de comando. O fato do povo ter procedido a eleição direta do Presidente é parte do processo democrático, contudo, não é a única condição a confirmar o predomínio desse regime, que sempre dependerá de uma gestão competente, fundamentada no cumprimento da lei, nos princípios e realização de justiça, na prevalência da verdade, no predomínio da ética e do comportamento sério que, se não cumpridos, justificam plenamente o impedimento do Presidente eleito. Se assim não fosse, não haveria regras constitucionais que previssem o impeachment. Elas existem e, caso se justifique o pedido feito por ilustres juristas brasileiros, devem ser cumpridas.

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