Algumas empresas já têm obtido decisões judiais garantindo o direito de não recolherem imediatamente o Diferencial de Alíquota (DIFAL) do ICMS incidente nas operações interestaduais com remessa de mercadoria a consumidor final não contribuinte do imposto (como as do e-commerce), regulamentado pela Lei Complementar n. 190/2022.
A controvérsia sobre o início da produção dos efeitos desta norma, isto é, sobre o início da cobrança do aludido imposto, tem como origem o fato de a LC n. 190, embora aprovada pelo Congresso ainda de 2021, ter sido publicada somente em 2022.
De um lado os contribuintes sustentam que o DIFAL só pode ser exigido a partir de 2023, em função do princípio constitucional da anterioridade anual, previsto no art. 150, III, “b” da CF, segundo o qual uma lei que institui ou aumenta o valor de um tributo só pode produzir efeitos no ano seguinte ao de sua publicação. Além da anterioridade anual, também defendem o respeito à anterioridade nonagesimal ou noventena, segundo a qual um tributo só pode ser cobrando 90 (noventa) dias após a publicação da lei que o instituiu ou aumentou.
Em contrapartida os estados vêm alegando que a cobrança deve se dar ainda nesse ano de 2022, sendo que alguns concordam com a observância da noventena, porém outros pretendem a exigibilidade imediata do tributo.
Diante desse impasse e insegurança, onde até mesmo os estados estão divergindo quanto ao início da exigibilidade do tributo, é que as empresas atingidas estão levando a questão para ser definida em juízo.
O DIFAL foi instituído por meio da Emenda Constitucional nº 87/2015, para que houvesse divisão federativa do ICMS entre o estado de origem e o de destino. Inicialmente a matéria referente a operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto foi regulamentada por meio do Convênio Confaz nº 93/2015.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.469 e do Recurso Extraordinário nº 1287019 (Tema nº n. 1093), realizado no início de 2021, entendeu que as normas gerais para a cobrança do imposto não poderiam ser regulamentadas por mero ato administrativo (Convênio n. 93/15 do Confaz), sendo necessária a edição de Lei Complementar para tanto. Tal decisão foi modulada para que valesse somente a partir de 2022. Diante desse julgado é que foi editada a Lei Complementar nº 190/2022.
Alguns Juízes já vêm reconhecendo que tanto a anterioridade nonagesimal como a anual devem ser respeitadas, sob o fundamento de que a LC nº 190/2022, além de representar a criação de um novo tributo para uma nova categoria de contribuintes, também implica em aumento do imposto a ser recolhido (MS nº 1001443-38.2022.8.26.0053 da 16ª Vara da Fazenda de São Paulo e MS nº 0700137-46.2022.8.07.0018, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal).
Por outro lado, também já houve decisão contrária aos contribuintes, sob o fundamento de que dita Lei Complementar não teria criado ou majorado imposto (MS nº 1000409-28.2022.8.26.0053 da 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo).
A questão já chegou ao Supremo Tribunal Federal, por meio de ação proposta pela Associação Brasileira de Indústria de Máquinas (Abimaq), pela qual se pretende a suspensão imediata dos efeitos da norma por todo o ano de 2022 e postergação da vigência a partir de 1º de janeiro de 2023.
A aplicabilidade da anterioridade nonagesimal e anual à Lei Complementar nº 190/2022 nos parece indubitável, especialmente porque o art. 3º da própria lei em questão determina que a sua produção de efeitos deve respeitar o que dispõe a alínea “c”, do inciso III, do art. 150, da CF, que veda a cobrança de tributo antes de decorridos 90 (noventa) dias da data da publicação da lei que o instituiu ou aumentou. E mais, referida aliena “c”, impõe também o respeito ao que determina a alínea “b”, do mesmo inciso III, do art. 150 da CF, que, por sua vez, veda a cobrança de tributo no mesmo ano em que a Lei, que o instituiu ou majorou, tenha sido publicada.
Diante disso, o que se espera é que os nossos Tribunais façam valer o que está escrito em nossa Constituição Federal e na própria LC n. 190, garantindo a segurança jurídica dos contribuintes de não serem surpreendidos com nova tributação, sem as garantias mínimas de anterioridade.
Aos contribuintes que têm receio da cobrança indevida, resta socorrer ao Judiciário na busca de uma previsibilidade ou segurança mínima de que seus direitos sejam respeitados.
Caroline Teixeira Mendes
Sócia do Cleverson Marinho Teixeira Advogados
Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná.
caroline@cleversonteixeira.adv.br